SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse estar preparado para brigar na Justiça pela demissão de Lisa Cook, após anunciar tê-la exonerado do cargo de diretora do Fed (Federal Reserve, o Banco Central americano), numa interferência sem precedentes na autonomia do banco.
Trump anunciou que demitiu Cook numa carta divulgada na segunda (25), alegando que ela havia cometido fraude hipotecária no passado. A diretora, porém, afirmou que o presidente não tem poderes para destituí-la e que não renunciaria. Seu advogado disse que vai questionar a medida de Trump na Justiça.
A decisão de Trump alarmou de imediato economistas, por gerar um cenário de incerteza. Analistas temem que o gesto possa minar a independência da instituição, adquirida há 74 anos, além de gerar riscos de aumento de inflação no futuro.
Há ainda o receio de que isso gere pânico em investidores, por ser o ataque a um banco que garante a confiança no sistema econômico americano, assim como no dólar, e que controla a inflação. Por enquanto, no entanto, a reação no mercado financeiro foi tímida.
O S&P 500 fechou em alta de 0,41%, impulsionado principalmente pela Nvidia, que subiu 1,1%, e pela Eli Lilly, que registrou avanço de quase 6%. O índice de tecnologia Nasdaq e o Dow Jones subiram 0,44% e 0,30%, respectivamente.
Trump alegou que Cook cometeu supostas irregularidades em suas declarações sobre hipoteca pessoal, com base nas alegações de um aliado. Porém não há nenhuma acusação formal contra a diretora.
Pelas regras do banco, o presidente da República teria o poder de destituir uma autoridade se houvesse justa causa. Não está claro se esse caso encaixa-se nesse critério por não haver um processo contra Cook.
“O presidente Trump alegou me demitir ‘por justa causa’ quando não existe justa causa conforme a lei, e ele não tem autoridade para fazê-lo”, afirmou a diretora em comunicado na noite de segunda.
Juristas afirmaram a jornais americanos que o caso é robusto, sobretudo por envolver uma conduta de caráter privado e não ligada à atuação dela no Fed. Por isso, preveem que a batalha nos tribunais pode ser longa.
“Sempre estamos envolvidos em disputas legais”, disse Trump nesta terça, após ser questionado se estava preparado para enfrentar o caso na Justiça.
Trump ainda disse que quer “pessoas 100% corretas, e não parece que ela seja”, acusando-a novamente de fraude hipotecária. O presidente também afirmou que pretende substituí-la rapidamente e que espera em breve conseguir maioria para reduzir a taxa de juros (atualmente entre 4,25% e 4,5%). “Temos ótimas pessoas para essa posição”, afirmou, após reunião do seu gabinete.
Um porta-voz do Fed afirmou nesta terça que o banco cumprirá o que a Justiça decidir, reconhecendo a intenção de Cook de questionar a demissão.
“Mandatos longos e proteções contra demissão para os governadores servem como uma salvaguarda vital, garantindo que as decisões de política monetária sejam baseadas em dados, análise econômica e nos interesses de longo prazo do povo americano,” disse ainda o porta-voz do Fed.
O presidente americano elegeu o Fed como um dos seus alvos há meses, pressionando por uma queda na taxa de juros. Até então, ele mirava o presidente da instituição, Jerome Powell, a quem já ameaçou demitir diversas vezes.
Ele surpreendeu, porém, ao demitir Cook. O mandato da diretora só termina em 2038, dez anos após o fim do mandato do republicano. O temor no mercado é que, se o presidente conseguir demiti-la, isso seja uma carta branca para que ele exonere outros integrantes do banco, minando a independência da instituição.
Primeira mulher negra a fazer parte da diretoria do Fed, indicada em 2022 pelo ex-presidente Joe Biden, Cook foi acusada por William Pulte, diretor da Agência Federal de Financiamento da Habitação, de ter falsificado documentos e cometer fraude.
Pulte disse no X que Cook havia designado um condomínio em Atlanta como sua residência principal depois de tomar um empréstimo em sua casa no Michigan, que ela também declarou como residência principal. Pulte disse à CNBC que também está investigando uma propriedade que Cook tem em Massachusetts.
A diretora afirmou na ocasião que leva a sério qualquer questionamento sobre seu histórico financeiro como membro do Federal Reserve e que estava reunindo informações precisas para responder a qualquer pergunta legítima.
A medida foi fortemente criticada ao longo do dia por democratas. Ao The New York Times, o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, acusou o presidente de tentar “assumir o controle do Federal Reserve”.
“Hugo Chávez estaria orgulhoso”, disse Jeffries. “Por que os republicanos e os chamados defensores do livre mercado não estão reclamando? Bando de completos farsantes.”
Cook foi uma das nove diretoras que votou pela manutenção da taxa de juros entre 4,25% e 4,5% na reunião realizada no fim de julho, em decisão que irritou Trump, que defende a redução da taxa em três pontos percentuais.
Ao Financial Times, especialistas reforçaram o ineditismo da ação de Trump. “Isso é sem precedentes”, disse Lev Menand, professor da Faculdade de Direito de Columbia, ao jornal.
“Este [a demissão de Cook] é um ato extraordinário de agressão que viola a independência do Fed”, também disse Eswar Prasad, professor da Universidade Cornell ao jornal. “Trump agora declarou guerra aberta ao quadro institucional dos EUA, que sustenta a dominância do dólar nas finanças globais”, avaliou.
David Wessel, diretor do Centro Hutchins para Política Fiscal e Monetária, foi além. “O presidente Trump parece determinado a controlar o Fed -e usará qualquer alavanca que tiver para obter maioria”, disse. “Esta é mais uma maneira pela qual o presidente está minando os fundamentos de nossa democracia.”