SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A advogada salvadorenha Ruth Eleonora López, 47, que denunciava abusos contra imigrantes venezuelanos e casos de corrupção no governo, completa cem dias presa em El Salvador nesta terça-feira (26). Desde então, Bukele impôs a lei de Agentes Estrangeiros e a organização de direitos humanos na qual a advogada atuava deixou o país.

O governo prendeu López no dia 18 de maio, a pedido do Ministério Público. Ela liderava a unidade de Anticorrupção e Justiça da Cristosal, ONG que prestou apoio às famílias dos 252 imigrantes venezuelanos detidos após deportação dos Estados Unidos, além de atuar em denúncias de violações de direitos durante o regime de exceção de Nayib Bukele.

Segundo comunicado oficial, a ordem de prisão foi cumprida sob acusação de peculato, por suposto desvio de dinheiro cometido há uma década, quando trabalhou no Tribunal Supremo Eleitoral.

No entanto, a Procuradoria alterou a imputação para enriquecimento ilícito. López negou as acusações e pediu um julgamento público -gritando “sou uma prisioneira política”- antes de ser enviada à prisão em junho, segundo o jornal americano The New York Times.

Apesar da gravidade das acusações, o processo corre em segredo de justiça.

No dia 4 de julho, López foi transferida da delegacia de Trânsito Terrestre, em San Salvador, para um centro penitenciário em Izalco -apesar de haver decisão judicial determinando que permanecesse sob custódia policial por motivos de saúde. Desde então, familiares e advogados não tiveram mais acesso a ela. Assim como milhares de pessoas detidas durante o regime de exceção, encontra-se completamente incomunicável.

A Cristosal auxilia famílias de pessoas detidas sem provas como parte da “guerra contra gangues” lançada por Bukele em 2022 e também as famílias de imigrantes venezuelanos presos há dois meses em uma penitenciária de segurança máxima em El Salvador.

Sob o estado de exceção, que continua em vigor, o devido processo foi suspenso e mais de 80 mil pessoas foram presas, em sua maioria em detenções em massa.

Eleita pela BBC como uma das cem mulheres mais influentes do mundo em 2024, Ruth, como diretora da área anticorrupção da Cristosal, foi responsável por apresentar habeas corpus em favor de mais de 70 pessoas presas injustamente e desaparecidas no sistema penitenciário salvadorenho.

“Agora, ironicamente, o mesmo Estado que a mantém como presa política tenta se apresentar como herói humanitário ao participar de uma troca de prisioneiros e criticar a existência de presos políticos na Venezuela”, afirma René Valiente, diretor de investigações da Cristosal à Folha.

A repressão também atingiu outros críticos de Bukele. O advogado Enrique Anaya, que havia denunciado a detenção de López e chamado publicamente Bukele de “ditador”, também foi preso.

Bukele já se auto-apelidou como o “ditador mais cool do mundo” e desde maio deste ano intensificou sua escalada autoritária ao mesmo tempo em que fortalece sua relação com os Estados Unidos, após um acordo para deter migrantes deportados pelo governo Trump.

A nova lei de Agentes Estrangeiros entrou em vigor em julho, estabelecendo um imposto de 30% sobre transferências internacionais para organizações e proibindo-as de realizar atividades que “alterem a ordem pública” –medida criticada por ONGs como forma de sufocar financeiramente a sociedade civil.

Desde então, a organização fundada por bispos anglicanos há 25 anos encerrou suas atividades em El Salvador e agora funciona a partir da Guatemala e de Honduras.

Para Carlos Monterrosa, professor de Sociologia e Ciência Política da UCA (Universidad Centroamericana José Simeón Cañas) “as capturas de advogados, líderes comunitários e defensoras como Ruth López confirmam que El Salvador está diante de um exercício autoritário do poder.”