BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Javier Milei ainda não encontrou uma explicação para os áudios que vazaram na última semana apontando suposta cobrança de propina na Andis (Agência Nacional para Pessoas com Deficiência). Em um evento de campanha, o presidente da Argentina cometeu uma gafe ao dizer que os opositores o perseguem por “roubar o roubo deles”.

As gravações são atribuídas ao diretor da agência à época, Diego Spagnuolo, que relata a existência de um sistema de cobrança de propinas na compra de remédios e próteses que favoreceria Karina Milei, irmã do presidente e secretária-geral da Presidência argentina, e seu assessor mais próximo, Eduardo Lule Menem.

As gravações dizem que Karina Milei ficaria com 3% da propina paga pelos medicamentos, que equivaleriam a um valor de US$ 500 mil (R$ 2,7 milhões) a US$ 800 mil (R$ 4,3 milhões) por mês.

O escândalo tomou proporções maiores do que o antecipado pelo governo, acostumado a ditar os temas da política nacional. Ainda sem apresentar uma resposta contundente, a Casa Rosada tem ficado na defensiva e em silêncio.

O presidente e sua irmã estiveram em um evento de campanha na cidade de Junín (a 260 km da capital da Argentina) pelas eleições legislativas da província de Buenos Aires, que acontecem em 7 de setembro.

Ambos evitaram falar diretamente do caso, que alguns meios passaram a chamar de “Propinagate” ou “Karinagate”.

Foi nesse primeiro ato público desde o escândalo que Milei escolheu um jogo de palavras peculiar, que foi interpretado pela oposição como um ato falho: “Ficam com raiva por estarmos roubando o roubo deles”, disse o ultraliberal, se referindo aos kirchneristas que estariam boicotando seu governo no Congresso.

Em seguida, ele pediu aplausos para Karina por ter organizado a organização política libertária a nível nacional.

Em outro momento, Milei também disse que o governo deve chegar às eleições legislativas nacionais, em outubro, com mais chances do que nas eleições que ocorrem em menos de duas semanas na província de Buenos Aires, onde disputa poder com o governador peronista Axel Kicillof.

Um pouco antes, Karina disse ao público que houve um enfrentamento entre a juventude libertária e opositores em Junín, sem mencionar o caso das supostas propinas.

O porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, também cancelou compromissos públicos.

Spagnuolo foi demitido ainda na semana passada, e a Andis segue sem comando. Desde que uma operação policial na sexta-feira (22) apreendeu celulares e documentos do ex-diretor e de responsáveis pela Drogaria Suizo Argentina, empresa de distribuição de remédios que foi apontada nos áudios como parte do esquema, cresce no governo a preocupação de que mais gravações ou mesmo vídeos comprometedores sejam divulgados.

Nesta terça-feira, novos áudios vazaram em que o ex-chefe da Andis faria referência à ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, e o ministro da Transformação e Desregulamentação do Estado, Federico Sturzenegger.

“Sturzenegger me disse: ‘Vou te mandar uma pessoa para ajudá-lo a cancelar as pensões [para os PCDs]’ e eu disse ‘ótimo, Federico, preciso de toda a ajuda possível'”, diz a voz na gravação atribuída a Spagnuolo.

Também foi removido de seu cargo o diretor nacional de Acesso aos Serviços de Saúde da Andis, Daniel Garbellini, que nos áudios o ex-chefe descreve como “um criminoso que administra o caixa” da agência.

Jornalistas argentinos mais alinhados ao presidente fizeram circular a informação nos últimos dias de que Milei sacrificaria todo o seu gabinete, com exceção de Karina, que não seria afastada ou demitida ainda que estivesse envolvida no escândalo.

Nesta terça-feira (26), a Datip (Direção Geral de Investigações e Apoio Tecnológico à Investigação Criminal), subordinada ao Ministério Público e não ao governo Milei, anunciou que conseguiu fazer a extração de dados do celular de Spagnuolo. As informações serão entregues ao procurador federal Franco Picardi, encarregado da investigação sobre os supostos subornos.

O ex-diretor não está preso, apenas impedido de deixar o país. Nesta primeira etapa das investigações, o principal objetivo foi encontrar os telefones e dispositivos digitais de Spagnuolo e dos irmãos Jonathan e Emmanuel Kovalivker, sócios da Suizo Argentina.

Jonathan entregou seu telefone celular na segunda-feira (25) e na semana passada, a polícia encontrou com Emmanuel mais de US$ 200 mil (R$ 1,1 milhão) em envelopes. Também foram feitas buscas na residência de Garbellini, mas não foram encontrados celulares nesse local.

Em nota, a drogaria disse que está “à inteira disposição” dos órgãos de Justiça e controle “para esclarecer os fatos”.

“Há mais de cem anos, a Suizo Argentina realiza suas atividades de forma integral, transparente, com responsabilidade social corporativa e de acordo com um rigoroso Código de Ética”, disse a empresa.