SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu, por meio de um despacho publicado nesta segunda-feira (25), a produção de versões manipuladas de Ozempic, Wegovy e Rybelsus, medicamentos indicados para o tratamento de diabetes e obesidade.

Medida só vale para as versões “biotecnológicas” da liraglutida (Victoza, Saxenda) e semaglutida (Ozempic, Wegovy e Rybelsus) e tirzepatida (Mounjaro). Ou seja, moléculas sintéticas seguem liberadas para a manipulação caso já haja um medicamento registrado no país que utilize este tipo de princípio ativo.

Apesar do veto da Anvisa também valer para uma tirzepatida “biotecnológica”, ela não existe no mercado: o Mounjaro é fabricado com molécula sintética que imita o hormônio intestinal GLP-1. Ou seja, sua manipulação não foi proibida, se seguir as normas da agência e da Lei nº 9.279/96, que regulamenta a produção de medicamentos com doses individualizadas a partir de substâncias patenteadas —como é o caso da tirzepatida da farmacêutica Eli Lilly.

Atualmente, não há nenhum medicamento à base de semaglutida sintética registrado no Brasil. Por isso, qualquer manipulação da substância —biotecnológica ou sintética— se torna irregular e ilegal, sem garantia de segurança ou eficácia.

Segundo a Anvisa, até 6 de agosto, havia nove pedidos de registro de medicamentos sintéticos de semaglutida e sete pedidos relacionados à liraglutida, todos aguardando o início da análise. Na área de medicamentos biológicos, na mesma data, existiam três processos em tramitação relacionados aos insumos liraglutida, semaglutida e à combinação insulina icodeca + semaglutida. Nesse caso, os três processos encontram-se em fase inicial, aguardando distribuição para análise técnica.

Produção de versões biotecnológicas das “canetas emagrecedoras” usa ingredientes importados. O Ozempic por exemplo, imita o hormônio GLP-1 intestinal com a ajuda de bactérias geneticamente modificadas e, por isso, é considerado “biotecnológico”. Já o Mounjaro e a liraglutida da EMS (Olire e Lirux), por exemplo, utilizam peptídeos sintéticos para “montar” a substância.

Anvisa considerou que a manipulação destes “ingredientes vivos” importados tem um alto risco sanitário. Além disso, a agência classificou que os processos técnicos envolvidos são de alta complexidade, relacionada ao estabelecimento de um “sistema de banco de células único” e de uma necessidade de garantir a identidade, pureza, potência e estabilidade dos IFAs (insumos farmacêuticos ativos, os tais ingredientes).

Veto é temporário enquanto é determinado um novo procedimento de importação para os manipulados. Importação dos ingredientes biotecnológicos segue permitida apenas para os fabricantes que tiveram seus produtos analisados durante o processo de registro na Anvisa, como as farmacêuticas Novo Nordisk (Ozempic, Wegovy e Rybelsus) e Eli Lilly (Mounjaro).

Anvisa ainda obriga testes de controle de qualidade para os ingredientes pelas importadoras. Farmácias também têm que seguir as normas para as preparações estéreis estipuladas pela agência, que deverá intensificar a fiscalização, de acordo com o despacho.

*

O QUE DISSERAM AS FARMACÊUTICAS

Em nota, a Novo Nordisk considerou a decisão da Anvisa “um benefício para a saúde pública e para o paciente brasileiro”. A farmacêutica, que atualmente tenta estender o prazo da patente do Ozempic para além de 2026, falou em “camada de proteção contra os riscos de produtos manipulados de forma ilegítima”.

“Medicamentos irregulares não oferecem garantia de pureza, dosagem correta, estabilidade ou esterilidade, podendo resultar em ineficácia do tratamento, reações adversas graves e contaminação, colocando a saúde e segurança do paciente em risco. […] Além disso, os preços praticados para esses medicamentos no mercado formal não apresentam diferenças significativas em relação aos valores cobrados por versões manipuladas, oferecendo ao paciente a opção segura e registrada sem custo adicional relevante”, disse a Novo Nordisk, em comunicado à imprensa.

Já a Eli Lilly foi acionada, mas não enviou posicionamento. O espaço segue aberto.

O QUE DIZEM OS FARMACÊUTICOS, AS SOCIEDADE MÉDICAS E A INDÚSTRIA

A Anfarmag (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais) foi questionada. A associação ainda não se posicionou, mas o espaço segue em aberto.

A ANME (Associação Nacional Magistral de Estéreis) esclareceu que a decisão “trouxe maior rigor e fiscalização para a importação dos princípios ativos” da tirzepatida. E destacou que não houve proibição à manipulação da tirzepatida no Brasil.

“O despacho […] determina que sejam realizados, minimamente, os testes de controle de qualidade, bem como as farmácias de manipulação de preparações estéreis, observem e cumpram, rigorosamente, todas as demais disposições pertinentes ao tema. A decisão condiz com o trabalho desenvolvido pela ANME. Que preconiza junto aos seus associados, a defesa da legitimidade, da qualidade e da aplicabilidade dos medicamentos magistrais estéreis no campo da saúde, promovendo o seu desenvolvimento ético, seguro e responsável”, disse a ANME, em nota.

O Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) comemorou a decisão da Anvisa. Para o órgão, este é um “avanço no sentido de reforçar as medidas de controle de qualidade dos IFAs importados e manipulados”.

“IFAs para as farmácias magistrais têm sido importados sem nenhum controle”, afirmou ainda o Sindusfarma. “Em geral, as farmácias magistrais não têm as instalações e os equipamentos necessários nem profissionais adequadamente treinados para fazer o mesmo controle de qualidade amplo e aprofundado que a indústria farmacêutica realiza para cada produto que fabrica e que precisa comprovar regularmente para a Anvisa”, criticou ainda em nota anterior ao UOL.

Os fornecedores destas farmácias também não são inspecionados nem certificados pela Anvisa, segundo o sindicato. Esta fiscalização é obrigatória para a indústria farmacêutica.

Por isso, o sindicato já anunciou que fez uma série de denúncias à agência. Entre elas, queixas sobre “atos ilegais praticados por farmácias de manipulação em todo o país no caso da produção em massa de emagrecedores agonistas de GLP-1”, citando que a oferta atual indica que estes estabelecimentos já até mantêm estoque de produtos, o que afronta a legislação e o princípio de que o medicamento patenteado só pode ser manipulado para atender à necessidade de uma dosagem individual do paciente.

SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) comemora decisão, mas com cautela. “Trata-se de um passo fundamental para a proteção da população brasileira contra práticas que colocam em risco sua saúde e minam a confiança na medicina baseada em evidências. Entretanto, a SBEM manifesta profunda preocupação com a manutenção da permissão para a manipulação da tirzepatida, outro agonista de receptores de incretina utilizado no tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2. Os riscos que levaram à proibição da semaglutida são idênticos e igualmente graves no caso da tirzepatida manipulada”, disse em nota.

“A manutenção de uma proibição parcial, restrita apenas à semaglutida, abre espaço para a migração do mercado irregular para a tirzepatida manipulada, perpetuando o risco sanitário e expondo pacientes a produtos inseguros. Diante disso, a SBEM (…) solicita formalmente que a Anvisa estenda a medida cautelar também à tirzepatida. Somente assim será possível garantir a coerência regulatória, a segurança da população e a preservação da medicina baseada em ciência”, diz nota da SBEM