SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em fotos polaroide, algumas mulheres usam vestidos brilhantes de festa, outras parecem ter sido surpreendidas dentro de casa. Um pouco como fez Andy Warhol com as drag queens de Nova York, a artista Manauara Clandestina criou um álbum de fotografias dedicado a mostrar o cotidiano de travestis. Sua obra “Manan #4” está na SP-Arte Rotas, no estande da galeria Mitre.
A feira, que tirou a palavra brasileiras do seu nome para abrir espaço a artistas latino-americanos, acontece na capital paulista desta quarta até domingo apenas uma semana antes da 36ª Bienal de São Paulo. Clandestina é uma das artistas que terá sua obra negociada nos estandes e, pouco depois, exposta no evento de arte contemporânea mais importante do Brasil.
É o que acontece também com Heitor dos Prazeres, Lidia Lisbôa, Maxwell Alexandre e Rebeca Carapiá, representados pela galeria Almeida & Dale, e Maria Auxiliadora, artista autodidata que ganhou reconhecimento mundial depois de morta, exibida pela Mendes Wood DM.
De Alexandre, é exibida uma pintura de dois meninos com sungas do Flamengo. Já “Suspensão 2”, de Carapiá, é uma escultura feita em hastes de ferro dobrado que parecem traçar uma caligrafia no ar.
Galerias menores exibem na feira outros artistas que estarão na Bienal, como Marlene Almeida, Nádia Taquary, Genor Sales e Moisés Patrício. Está na lista também Gervane de Paula, que pinta o pantanal mato-grossense e a violência do agronegócio, levado pela galeria Cerrado.
Segundo Fernanda Feitosa, criadora da SP-Arte, a proporção menor da Rotas faz com que a feira seja um bom momento para a apresentação de novos artistas. “As galerias menores e de médio porte, que trabalham com artistas jovens, ganham um protagonismo”, diz ela.
Muitos curadores e colecionadores internacionais convidados para a Rotas vão aproveitar para estender a viagem e passear pelo pavilhão de Oscar Niemeyer, no parque Ibirapuera, para ver a Bienal. A expectativa, nos bastidores, é de que a feira ajude a aquecer um mercado abatido, com vendas baixas, que vêm tirando o sono de agentes do setor.
A época de vacas magras está ligada à instabilidade política mundial, agravada pelo tarifaço de Donald Trump, que deixou colecionadores acanhados em esvaziarem seus bolsos. Além disso, há uma mudança geracional no setor, com compradores mais experientes saindo de cena, segundo galeristas.
Os negócios enfraquecidos são um alerta para as galerias, que precisam bancar aluguéis salgados, coquetéis caríssimos e participações em feiras internacionais em dólar. Ausentar-se desses eventos pode significar a perda de um artista para uma concorrente que possa custear a projeção internacional dos talentos.
“As galerias maiores e mais antigas criaram estruturas tão grandes que ficaram reféns de [obras] extremamente comerciais, por conta dos altos custos mensais. As galerias menores, com fluxo de caixa menor, também têm o desafio de pagar as contas”, diz Matheus Yehudi, fundador da galeria Yehudi Hollander-Pappi, mais focada em arte experimental, que participa pela primeira vez da SP-Arte Rotas.
Mesmo que o valor de uma obra caia pela falta de procura, o marchand não baixa o seu preço para evitar a desvalorização do artista. O cenário, porém, pode atrapalhar a estabilização de novos nomes no mercado.
“Quando há uma especulação muito alta no início da carreira, há o risco de não conseguir manter os valores, ou do artista mudar de fase e produzir com uma linguagem que não agrada determinados grupos de colecionadores”, diz Gustavo Nóbrega, dono da galeria Superfície.
“É perigoso para o artista e também para a galeria. As pessoas vendem promessas e fazem jogos de especulação, mas nem sempre é sustentável”, acrescenta ele.
Para Nóbrega, a crise no setor está relacionada também aos hábitos das galerias. Uma das problemáticas do mercado, argumenta, é apresentar só o que o colecionador quer consumir e não novidades. “Algo mais difícil, mais conceitual, mais político, muitas vezes é ignorado em prol da demanda de vendas e de coisas mais fáceis, açucaradas”, afirma.
Yehudi concorda. Para ele, uma galeria precisa estar mais alinhada à história da arte do que ao mercado, que muda o tempo inteiro. “Pode ser que você represente um artista que em dez anos não venda nada, mas que em 30 esteja no MoMa [o Museu de Arte Moderna de Nova York]”, diz.
Na SP-Arte Rotas, a Superfície dedica seu estande a Ana Amorim, artista conceitual que, ativa desde 1988, se recusava a vender suas obras ou mostrá-las em locais que cobrassem ingresso e agora está com uma mostra de sucesso em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP.
A Yehudi Hollander-Pappi participa, com o artista Caio Carpinelli, da seção “Transe” da feira, curada por Lucas Albuquerque. A área é dedicada a obras não figurativas que se distanciam do cânone da abstração moderna. Já a galeria Marcelo Guarnieri será exclusiva da pintora e ceramista Helena Carvalhosa.
É impossível, ainda, não notar uma guinada ao erotismo. A Gomide & Co, por exemplo, apresenta obras de Teresinha Soares ao lado de trabalhos da filha, Valeska. As telas coloridas e eletrizantes da mãe, que desafiou tabus sexuais nos anos 1960 ao retratar o desejo feminino e a masturbação, vão ao encontro da instalação “Unhinged”, de Valeska, composta por cabeceiras de camas entrelaçadas que questionam o uso ou desuso de suas estruturas.
Guiada pela sexualidade, a carioca Flexa exibe Adriana Varejão, Alvim Corrêa, Leonilson, Tomie Ohtake e Tunga. Já a Vermelho mostra “A Sônia”, de Claudia Andujar, uma série de fotos em que um corpo feminino nu parece ser estudado por vários ângulos diferentes, em várias cores. Se o mercado não está tão quente, as obras parecem estar.
SP-ARTE ROTAS
– Quando De 28/08 a 31/08, das 12h Às 20h
– Onde Arca – av. Manuel Bandeira, 360, São Paulo
– Preço R$ 100
– Link: https://www.sp-arte.com/sobre-o-evento-rotas