SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao menos 5.000 pessoas com deficiência intelectual e autismo com grau de comprometimento mais elevado conseguiram trabalho no Brasil desde 2013 por meio do método de emprego apoiado, que facilita a inserção de profissionais com deficiência ou em situação de vulnerabilidade social no mercado formal.
Os dados são do Instituto Jô Clemente, uma das organizações mais atuantes na preparação do grupo para o trabalho.
Segundo o Censo 2022 do IBGE, 1,4% dos brasileiros, algo como 2,6 milhões de pessoas, têm uma condição diferente de tratar questões do dia a dia, de resolver tarefas e de interagir com o conhecimento.
Dentre as contratações de pessoas com deficiência intelectual, 60% estão concentradas em São Paulo, mas os dados incluem, desde 2019, oportunidades também nas capitais e em regiões metropolitanas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O ritmo das contratações foi interrompido pela pandemia de Covid-19, quando chegou a 507 em 2019, caindo para 345 no ano seguinte e 385 em 2021. O crescimento foi retomado em 2022, com 517 inclusões, e atingiu o pico em 2023, de acordo com o Instituto Jô Clemente.
As vagas estão distribuídas em diversos segmentos: indústrias, laboratórios, prestadoras de serviços, com destaque para o varejo, sobretudo no ramo de alimentação e de supermercados.
As maiores empresas que contrataram no modelo apoiado foram McDonald’s (Arcos Dorados), Grupo Pão de Açúcar, Colgate-Palmolive, Grupo Fleury e Roldão Atacadista, considerando as vagas acompanhadas pelo instituto.
Um exemplo é a auxiliar administrativa Dayanne Alves Santana, 30, que atua há dois anos no Grupo Fleury.
Dayanne, que tem deficiência intelectual leve e é acompanhada pelo programa, conta que teve outras três experiências profissionais com o apoio do método. “Quero ter outras oportunidades na empresa. Também pretendo fazer faculdade de recursos humanos ou psicologia.”
O coordenador de Inclusão Social do Instituto Jô Clemente, Flávio Gonzalez, afirma que, em 2012, a organização fazia 90 inclusões anuais. No ano seguinte, com a adoção da metodologia de emprego apoiado, o número triplicou, chegando à média atual de 500 contratações por ano.
Para obter essa marca, o instituto busca as empresas e é procurado por elas, que precisam cumprir a Lei de Cotas [8.213/91], que determina que empresas a partir de cem empregados tenham em seus quadros de 2% a 5% de pessoas com deficiência.
“Preparamos as empresas para receber esse público, fazemos orientações, identificamos as melhores oportunidades e fazemos o acompanhamento após a contratação para que essa pessoa possa desenvolver seus potenciais, permanecer na empresa e crescer profissionalmente, pois contratar não quer dizer incluir. Às vezes a pessoa está contratada, mas está excluída dentro da empresa”, diz Gonzalez.
De acordo com o instituto, o trabalhador e seu gestor, em período de 15 a 20 dias, recebem visitas de acompanhamento para análises de desempenho e ajustes de procedimento, mas também há um trabalho para o desenvolvimento de apoio por meio de colegas, lideranças ou adaptações de algumas tarefas.
Contudo, apesar do avanço na última década, a inclusão de pessoas com deficiência intelectual no mercado de trabalho continua sendo um desafio por causa do estigma em torno da condição.
“Muitas vezes passam menos atividades achando que a pessoa não dará conta, investem menos na capacitação, mas elas têm suas potencialidades, convivem em sociedade, realizam trabalhos. Quando entramos com o emprego apoiado, as pessoas apresentam resultados”, afirma Gonzalez.
O assistente de advocacy do instituto, Ronie Vitorino, 36, que sempre contou com a modalidade de inserção, inclusive no atual emprego, afirma que não é comum encontrar pessoas com a condição nos ambientes de trabalho.
“Na primeira empresa, onde atuava no controle de qualidade de embalagens, havia mais quatro pessoas com deficiência intelectual, já na segunda, na qual eu fazia recrutamento e seleção só tinha eu.”
Ele relata que sofreu capacitismo no passado mesmo com o emprego apoiado.
“Já vivi uma situação na qual recebi menos atividades do que eu conseguia fazer, o que foi revisado. Por isso, digo que o emprego apoiado ajuda a combater o preconceito. É de suma importância esse acompanhamento tanto para a pessoa com deficiência intelectual como para os outros funcionários, pois é uma troca. Um aprende com o outro. As empresas que de fato acolhem a pessoa com deficiência transformam todo o ambiente do trabalho.”
Para a CEO da Talento Incluir, Carolina Ignarra, o emprego apoiado não é só uma metodologia de trabalho, ele exige ainda mais disposição da empresa para que a pessoa com deficiência intelectual tenha uma carreira desenhada de forma diferente, de acordo com seu perfil, para que ela se sinta recompensada, valorizada e que também esse desenho de carreira esteja em equilíbrio com os negócios.
“Não é mais uma questão de cumprimento de lei de cotas. As empresas, seus produtos e serviços precisam ser inclusivos muito mais do que ter inclusão.”