SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – À medida que os impactos da crise do clima se multiplicam ao redor do mundo, cresce também a conta a ser paga para prevenir e remediar desastres, especialmente entre os mais vulneráveis. Historicamente, era esperado que esses recursos viessem das nações mais ricas, que são também as maiores responsáveis pelo aquecimento global, porém, o ritmo desse fluxo tem sido muito lento.
Assim, Mahmoud Mohieldin, enviado especial das Nações Unidas para o financiamento da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, se soma às vozes que defendem uma maior participação do setor privado na arrecadação de recursos climáticos.
“Não podemos nos dar ao luxo de sermos exigentes sobre uma fonte de financiamento”, afirmou o economista egípcio em entrevista à Folha de S.Paulo.
“Precisamos respeitar com pragmatismo a vantagem comparativa do setor privado em relação ao setor público na descarbonização e em áreas de trabalho quando se trata de lidar com energia renovável. Podemos fazer isso com o setor privado e com um pouco de apoio do governo, em termos de abordagem público-privada.”
Atualmente, estima-se que os países em desenvolvimento precisam de pelo menos US$ 1,3 trilhão (cerca de R$ 7,1 trilhões, na cotação atual) em investimentos em ações climáticas, tanto para mitigar suas emissões de gases de efeito estufa como para adaptar seus territórios a eventos extremos.
O número foi destacado na COP29, a cúpula das Nações Unidas sobre mudança climática que aconteceu no Azerbaijão no ano passado, no entanto, no acordo final os países só se comprometeram com o pagamento de US$ 300 bilhões -23% do total necessário.
“O mundo está se tornando mais difícil por causa da política, da geopolítica e das restrições orçamentárias enfrentadas por alguns dos contribuintes convencionais”, ressaltou Mohieldin. “Estamos negligenciando boas soluções que podem não necessariamente nos direcionar sempre ao financiamento público, quando parcerias público-privadas ou soluções do setor privado poderiam resolver o problema.”
No Brasil para participar da Rio Climate Action Week, que acontece até esta sexta-feira (29), o diplomata classifica como um bom exemplo desse tipo iniciativa o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês).
Desenvolvido pelo governo brasileiro, o mecanismo será um fundo fiduciário que pretende arrecadar US$ 125 bilhões de fontes públicas e privadas a juros reduzidos para conservação.
O modelo prevê que esse dinheiro seja reinvestido e os investidores colham uma porcentagem dos dividendos, enquanto outra parte será destinada a países tropicais que já vêm protegendo suas florestas. Países como Noruega, Alemanha, Reino Unido, França e Emirados Árabes Unidos, além da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), já anunciaram a intenção de apoiar o TFFF.
Mohieldin lembrou que a ONU vem trabalhando num conceito de contabilidade social batizado de “beyond GDP” (além do PIB) –que busca agregar indicadores diferentes, sociais e ambientais, aos econômicos para quantificar a riqueza dos países– e que o fundo dialoga com esse conceito.
“Precisamos incorporar elementos relacionados à natureza que foram quase desconsiderados. Agora podemos fazer uma melhor contabilidade do capital natural. Assim, podemos dar bons bônus a países que tomaram medidas sérias para proteger sua natureza”, disse.
“É bom ter a liderança política do presidente do Brasil nisso. Mas é importante também enxergar a [possibilidade de] continuidade deste projeto por estar muito alinhado ao mercado.”
O TFFF deve ser um dos destaques apresentados pelo governo Lula na COP30, em Belém, em novembro. Os preços altos de acomodação em Belém vêm causando uma crise diplomática nas últimas semanas, mas o economista, que integrou a chefia da COP27, realizada no balneário egípcio de Sharm El-Sheik, acredita que a questão será resolvida.
“Essa é a COP30, o que significa que tivemos 29 COPs anteriores”, ponderou, acrescentando que não é a primeira vez que há reclamações sobre custos.
“Isso foi resolvido no passado de diferentes maneiras: por apoio, por flexibilidade por parte do anfitrião, pela redução do número de delegados para que não haja mais demanda desnecessária em um espaço muito limitado.”
O enviado da ONU disse, ainda, que pode ter havido um desafio adicional devido às limitações naturais de Belém. “Mas ter a conferência em Belém, ao mesmo tempo, carrega em si muitas mensagens sobre a importância desse lugar e a importância da amazônia.”
Há cerca de das semanas, uma tentativa de elaborar um tratado global pelo fim da poluição plástica fracassou pela segunda vez, no que foi considerado por alguns especialistas um mau agouro para a COP30. Mohieldin, no entanto, não faz parte desse time.
“Questões relacionadas ao clima, natureza e desenvolvimento são muito complicadas e muito amplas. Um fracasso em atender às expectativas e esperanças em uma área não deveria nos causar a preocupação de que seremos impedidos de alcançar sucesso em outras”, disse.
Ele cita progressos recentes em frentes importantes, como em decisões sobre reduções de emissões da indústria marítima e integridade dos mercados de carbono.
Além disso, ressaltou que considerou muito bem-sucedida a 4ª Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, ocorrida em julho, em Sevilha, na Espanha.
Na ocasião foram lançadas iniciativas como um centro global para trocas de dívida (pelo qual países podem trocar parte de sua dívida pública por investimentos em desenvolvimento sustentável) e um imposto solidário sobre jatos particulares e voos de primeira classe para financiar objetivos climáticos e de desenvolvimento.
“Em março, presidentes e líderes do Brasil, África do Sul e Espanha emitiram um documento conjunto sobre a importância do sucesso do G20 na África do Sul, da COP30 no Brasil e da conferência de Financiamento para o Desenvolvimento na Espanha. Dado que Sevilha foi a primeira das três a ser concluída, estou muito confortável em dizer que haverá uma participação muito boa [nas outras]”, afirmou.
Quanto aos resultados da COP30, Mohieldin disse esperar que seja abordada o que chama de “falsa dicotomia entre desenvolvimento, clima, natureza e biodiversidade”, quanto à destinação de recursos para essas diferentes frentes.
“[Sem essa tensão] vamos desenvolver projetos com impacto no desenvolvimento, com foco nas mudanças climáticas, com um plano de fundo da biodiversidade e com proteção à natureza”, argumentou.
Defendeu, ainda, que será preciso operacionalizar compromissos relacionados a finanças que vêm sendo assumidos desde o Acordo de Paris, há quase uma década.
“São finanças com tecnologia, com incentivos para mudança comportamental que podem fazer com que essas medidas sejam realizadas pelas pessoas comuns. Apenas finanças não resolverão isso. Mas a tecnologia tem nos deixado muito otimistas”, disse, referindo-se ao avanço e barateamento de fontes de energia renovável como eólica e solar.