BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Único ex-chefe das Forças Armadas que estará no banco dos réus no julgamento da trama golpista, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos terá de rebater depoimentos de seus pares na Aeronáutica e no Exército para tentar convencer os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de sua inocência.

A defesa do almirante aponta erro da Procuradoria-Geral da República (PGR) e diz que elementos citados na acusação sobre a tentativa de golpe de Estado não passam de coincidência.

Um exemplo de casualidade, segundo a defesa, foi o desfile de blindados anfíbios que ocorreu em 2021 na Esplanada dos Ministérios no mesmo dia em que a Câmara votava a PEC do voto impresso, bandeira do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os advogados de Garnier afirmam que o desfile foi planejado antes.

Coincidência seriam também, de acordo com o almirante, os elogios que passou a receber de apoiadores dos planos golpistas enquanto os chefes do Exército e da Aeronáutica sofriam ataques virtuais.

Já sua demonstração de lealdade a Bolsonaro durante reunião em que se tratou sobre um golpe de Estado foi mal interpretada, diz Garnier. Ele afirma que não se tratava de um apoio à ruptura democrática, como indicaram testemunhas, porque ele não entendia que a conversa enveredava para uma intervenção militar.

A defesa também alega erro da PGR sobre a data em que isso teria ocorrido.

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Veja o que pesa contra o almirante, segundo a denúncia da PGR.

Reunião golpista

Garnier é acusado de apoiar os planos golpistas sugeridos por Bolsonaro em reuniões no Palácio do Alvorada. Embasam a acusação os testemunhos dos ex-comandantes militares Baptista Júnior (Aeronáutica) e Freire Gomes (Exército).

Em depoimento, Baptista Júnior afirmou: “Essa postura era bastante conhecida de nós três: o ministro [da Defesa] Paulo Sérgio, eu e Freire Gomes. E, em uma dessas reuniões… Eu tenho uma visão muito passiva do Almirante Garnier. (…) Em uma dessas, chegou ao ponto de que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente”.

Freire Gomes disse que ele e o chefe da Aeronáutica se opuseram a Bolsonaro. “O almirante Garnier, ele tomou essa postura de ficar com o presidente”, afirmou.

“Embora o general Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Baptista Junior tenham se posicionado contra o golpe de Estado concebido pela organização criminosa, não resta dúvida de que o almirante de esquadra Almir Garnier Santos a ele aderiu”, diz a PGR.

A defesa de Garnier afirma que a peça da Procuradoria tem um erro que implica a anulação da acusação contra o ex-chefe da Marinha. Segundo o advogado Demóstenes Torres, inicialmente, a denúncia descreveu que o militar teria se posicionado a favor do golpe de Estado em reuniões nos dias 7 e 14 de dezembro de 2022.

No entanto, após relatos de que o apoio foi vocalizado em outra reunião, em data não conhecida, a defesa do almirante argumenta que houve erro formal do procurador-geral Paulo Gonet.

Segundo o advogado, o almirante ficou em silêncio nas duas reuniões. “Não há qualquer elemento material que indique a anuência de Almir Garnier a algum plano golpista”, completa.

“Esse trecho referente a uma reunião não mencionada na denúncia foi utilizado para atribuir a Almir Garnier uma conduta ativa em encontros nos quais ele não fez qualquer declaração”, diz.

‘Elogia o Garnier’

Para a PGR, uma das evidências de que Garnier deu apoio moral e material aos planos golpistas são mensagens trocadas entre outros réus que demonstravam apoio ao então chefe da Marinha.

Algumas dessas mensagens foram enviadas pelo ex-ministro Walter Braga Netto –general de Exército da reserva e candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro.

“Senta o pau no Batista Junior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias. Negociando favores. Traidor da pátria. Daí pra frente. Inferniza a vida dele e da família (…) Elogia o Garnier e fode o BJ”, escreveu Braga Netto a um interlocutor.

Para a PGR, não é coincidência que Garnier passou a ser celebrado nos círculos golpistas, enquanto os demais chefes das Forças Armadas eram atacados.

O advogado Demóstenes Torres diz que as mensagens não podem ser consideradas como provas porque foram trocadas por “terceiros que não presenciaram qualquer fato concreto”.

“Todas as comunicações referem-se a rumores, meros ‘ouvi dizer’, carecendo, portanto, de valor probatório para sustentar a hipótese acusatória”, afirma.

Blindados na Esplanada

Segundo Gonet, Garnier já dava indícios de apoio militar desmedido a Bolsonaro antes de 2022. Em 10 de agosto de 2021, a Marinha realizou um desfile militar na Esplanada dos Ministérios para entregar um convite ao ex-presidente para participar da Operação Formosa, exercício militar em cidade próxima a Brasília.

No mesmo dia, a Câmara votaria a PEC do voto impresso, uma das principais demandas de Bolsonaro após o início dos ataques às urnas eletrônicas.

“As investigações demonstraram que o desfile fora planejado nos bastidores do governo de Jair Bolsonaro com a finalidade de intimidar o Parlamento, compelindo-o a votar favoravelmente à referida emenda constitucional”, diz a PGR.

Em depoimento ao Supremo, Garnier disse que o desfile foi organizado com mais de um mês de antecedência. “Foi uma coincidência”, afirmou.