PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Convocado pelo governo francês a prestar esclarecimentos devido a um artigo acusando Emmanuel Macron de “falta de ação suficiente” contra o antissemitismo, o embaixador dos Estados Unidos na França, Charles Kushner, driblou o chamado. Ele enviou um subordinado ao Ministério das Relações Exteriores francês na tarde desta segunda (25).

Não foi confirmado o nome do diplomata, que ouviu um sermão de duas diretoras subalternas do ministério e teria respondido prometendo trabalho em conjunto com a França para combater o antissemitismo. Abaixo de Kushner, o mais graduado da embaixada é o chefe de missão adjunto, Mario Mesquita.

A convocação tinha sido a forma escolhida pelo presidente francês para demonstrar sua indignação com a carta aberta publicada por Kushner no domingo (24) no influente jornal americano The Wall Street Journal. Nela, ele afirmou que as críticas de Macron a Israel e a decisão de reconhecer o estado palestino “encorajam extremistas, fomentam a violência e põem em perigo a vida dos judeus na França”.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA afirmou em Washington que o governo de Donald Trump “apoia os comentários” de Kushner. O embaixador e magnata do ramo imobiliário é pai de Jared Kushner, genro do presidente americano.

Em comunicado no mesmo dia da publicação, o Quai d’Orsay, o Ministério das Relações Exteriores francês, qualificou de “inaceitáveis” as afirmações de Kushner. Embora tenha anunciado que a França reconhecerá a Palestina durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, Macron também tem sistematicamente pedido a libertação dos reféns em poder do Hamas em Gaza e condenou publicamente diversos atos antissemitas, que recrudesceram na França desde o início da guerra, em outubro de 2023.

Filho de judeus poloneses que sobreviveram ao Holocausto, Charles Kushner prosseguiu sua carta afirmando que “o presidente Trump e eu temos filhos judeus e compartilhamos netos judeus”. Em seguida, listou atos recentes dos EUA, entre eles o bombardeio das instalações do programa nuclear do Irã. “Essas medidas provam que o antissemitismo pode ser combatido com eficiência quando os líderes têm vontade de agir”, acrescentou o embaixador.

O artigo de Kushner é inusitado: não é comum que embaixadores critiquem publicamente os líderes dos países aliados onde estão servindo. A convocação do embaixador para dar explicações é o procedimento padrão em situações assim no campo diplomático.

No início de agosto, o Itamaraty convocou o encarregado de negócios da embaixada americana em Brasília, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos sobre uma postagem em redes sociais atacando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Os EUA estão sem embaixador no Brasil desde a posse de Trump, em janeiro.

De forma análoga à ocorrida em Paris nesta segunda, o diplomata americano não foi recebido pelo chanceler Mauro Vieira, e sim pelo secretário interino do Itamaraty para Europa e América do Norte, Flávio Goldman.

A indicação de Kushner, de 71 anos, para a embaixada em Paris, em maio, foi polêmica. Além do vínculo familiar com o presidente -Jared, seu filho mais velho, é casado desde 2009 com Ivanka Trump- Kushner não é diplomata de carreira e tem no currículo uma sentença judicial.

Condenado em 2005 por evasão fiscal e contribuições ilegais de campanha, Kushner cumpriu dois anos de prisão. Em 2020, no final de seu primeiro mandato, Trump usou sua prerrogativa presidencial para conceder-lhe perdão incondicional.

O episódio é mais uma evidência da tensão latente na relação entre a França e os EUA, apesar dos esforços de Macron para manter um relacionamento produtivo com Trump em questões como os conflitos em Gaza e na Ucrânia e os tarifaços impostos pela Casa Branca.

Embora Trump e Macron demonstrem cordialidade quando se encontram -como na semana passada, na Casa Branca-, o presidente americano não poupa críticas ao colega francês. “Macron é um cara legal, mas o que ele diz não importa”, disse em julho sobre a decisão francesa de reconhecer a Palestina.