BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Javier Milei está em silêncio -algo que não é comum- desde que seu governo se viu envolvido em um escândalo após a divulgação de áudios que mencionam a irmã do presidente argentino, Karina, em um suposto esquema de pagamento de propina na compra de medicamentos.

Tudo começou na última quinta-feira (21), quando vieram à tona gravações com uma voz atribuída a Diego Spagnuolo, advogado pessoal de Milei e que dirigia a Andis (Agência Nacional para Pessoas com Deficiência).

“Do que eles cobram pelos remédios, você tem que colocar 8% (…) é uma enorme variedade de negócios que existem”, diz o ex-chefe da Andis em um dos áudios. “Eu tenho todos os WhatsApps de Karina. Ela recebe 3%.”

Os 3% equivaleriam a um valor de US$ 500 mil (R$ 2,7 milhões) a US$ 800 mil (R$ 4,3 milhões) por mês. As gravações também mencionam a participação no esquema de um assessor de Karina, Eduardo “Lule” Menem.

Na última semana, um canal de streaming divulgou as gravações em que Spagnuolo relata a cobrança de propinas em contratos com a Drogaria Suizo Argentina –a terceira maior empresa do gênero no país e que tem contratos com outras áreas do governo, como o Ministério da Defesa.

As drogarias formam um intricado sistema de distribuição de medicamentos, funcionando como um centro de estoque e distribuição intermediário, entre os laboratórios e farmácias, planos de saúde e o governo (no caso de compras para beneficiados por programas públicos).

Em uma operação na última sexta-feira (22), autoridades argentinas apreenderam celulares e documentos que podem estar relacionados ao escândalo. Os diretores da empresa também foram alvo da diligência.

Spagnuolo foi destituído do cargo ainda na semana passada. O governo não negou a autenticidade dos áudios e ainda não apresentou uma justificativa para o conteúdo das gravações. A situação é complicada pela rapidez das ações legais, o que pegou a Casa Rosada desprevenida.

Acostumado a ditar as pautas nacionais, o governo Milei agora lida com um fluxo de informações comprometedoras que ameaçam seu discurso de combate à casta política.

A reação de Karina também destoa. Há pouco mais de uma semana, ela explodiu nas redes sociais contra a apresentadora de TV Pamela David, que divulgou erroneamente que a secretária-geral da Presidência tinha um relógio Rolex de US$ 35 mil (R$ 190 mil).

Desta vez, no entanto, a irmã do presidente optou pelo silêncio. Em um evento de campanha no fim de semana, ela não mencionou o caso.

Javier Milei também não se manifestou. Em um evento privado nesta segunda-feira (25), em que apareceu ao lado da irmã, ele se limitou a criticar a oposição no Congresso, que acusou de tentar destruir seu programa econômico.

Ainda assim, nos corredores da Casa Rosada se reconhece a seriedade da crise. Spagnuolo era próximo de Milei, sendo um dos poucos convidados para atividades sociais na residência oficial da Presidência Argentina, a Quinta de Olivos.

Ao contrário de outro caso recente, quando o presidente promoveu o criptoativo $Libra -em que é investigado nos EUA e que também teria participação de Karina-, o escândalo na Andis tem um potencial mais explosivo.

Além de contradizer o compromisso de Milei em combater a corrupção, o caso ocorre duas semanas antes das eleições legislativas na Província de Buenos Aires e dois meses antes das eleições nacionais, que vão renovar 127 cadeiras da Câmara e 24 do Senado.

A crise também pega o governo em um momento econômico mais sensível. Apesar de a inflação ter desacelerado, o governo precisou lançar mão de um aumento de juros e emissão de dívida que podem travar a recuperação da economia. Em junho, o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos) divulgou que a atividade econômica teve uma queda de 0,7% em relação ao mês anterior, vindo de uma queda também em maio, pela série com ajuste sazonal.

Lule Menem fez sua primeira declaração pública desde que começou a trabalhar no governo. Ele afirmou que não tem capacidade para confirmar a autenticidade do áudio, mas nega o conteúdo dele, dizendo que nunca cometeu atos de corrupção.

Apesar de não estar diretamente envolvido no caso, o presidente da Câmara dos Deputados e primo de Lule, Martín Menem, também se manifestou em uma entrevista, dizendo que confia em Lule e Karina.

A expectativa é que novos áudios possam surgir em breve, após os celulares terem sido apreendidos na operação da última semana.