SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A União Africana, que reúne 55 países do continente, está em campanha para que governos e organizações internacionais deixem de usar mapas-múndi baseados na tradicional projeção de Mercator, criada no século 16, e adotem modelos mais recentes que não distorcem o tamanho dos continentes.

O sistema Mercator foi apresentado pela primeira vez por Gerardus Mercator, em 1569. Os mapas do geógrafo e cartógrafo nascido na região do Flandres (hoje Bélgica) ganharam popularidade e foram usados como cartas náuticas.

A tradicional projeção mantém as formas dos continentes, mas não os tamanhos. A Groenlândia, por exemplo, aparece quase tão grande quanto a África, mas o continente africano tem uma área 14 vezes maior.

Essa distorção ocorre porque a escala aumenta conforme a latitude, e os países e regiões próximas aos polos aparecem em um tamanho muito maior do que o real em comparação às áreas perto da Linha do Equador.

Essa é justamente uma das críticas centrais da campanha Correct The Map (“corrija o mapa”), liderada por organizações como Africa No Filter e Speak Up Africa. O questionamento sobre o modelo Mercator não é novo, mas a campanha reacendeu a discussão e ganhou tração com a adesão da União Africana.

O abaixo-assinado online reunia 6.478 signatários até a tarde desta segunda-feira (25). “O mapa de Mercator não trata apenas de representar de forma incorreta o tamanho do Sul Global —trata-se de poder e percepção. Isso precisa mudar”, diz o site da campanha, fazendo referência ao conceito geopolítico de países em desenvolvimento.

A iniciativa defende a adoção da projeção Equal Earth, lançada há sete anos, que mantém áreas proporcionais corretas sem distorcer os continentes. O geógrafo americano Tom Patterson, um dos criadores do projeto, diz à Folha de S.Paulo que ele e sua equipe ficaram muito felizes com o endosso do grupo de 55 países africanos.

“É interessante. A União Africana está reagindo contra a projeção de Mercator e todas as suas falhas, porque ela distorce gravemente o tamanho das áreas do Norte e do Sul, e diminui a África. É uma crítica extremamente legítima”, afirma Patterson.

A ideia de criar o Equal Earth veio em 2017, após algumas escolas de Boston, nos Estados Unidos, decidirem adotar o modelo de mapas de Gall-Peter. A projeção mostra o tamanho e a proporção de continentes com mais precisão, mas ainda assim possui uma distorção visual, em que os países aparecem “esticados”.

“A maioria das pessoas, ao olhar para o mapa, diz que simplesmente parece estranho”, comenta Patterson. “Foi quando criamos a projeção Equal Earth. Ela mantém uma forma mais familiar do mundo, os continentes não ficam distorcidos e a área é rigorosamente proporcional em todo o mapa.”

O projeto foi concebido em parceria com o professor Bernhard Jenny, da Universidade Monash, na Austrália, e o engenheiro de software esloveno Bojan Savric, que trabalha na Esri, empresa da Califórnia que desenvolve sistemas de informação geográfica.

A União Africana deverá tomar uma decisão oficial sobre a adoção do mapa Equal Earth em fevereiro, durante um encontro de líderes na Etiópia. Patterson diz acreditar que a campanha vá ter sucesso.

Na avaliação dele, a projeção Mercator vem perdendo popularidade nas últimas décadas. “A comunidade cartográfica é um pouco conservadora, e leva algum tempo para que novas projeções de mapa sejam adotadas, mas a Equal Earth vem ganhando aprovação de forma constante [de cartógrafos profissionais e do público em geral].”

Em entrevista ao jornal The New York Times, a vice-diretora-executiva da Speak Up Africa, Fara Ndiaye, afirmou que a organização atua para o Equal Earth ser adotado como padrão nas escolas de países africanos. “É mais do que geografia, trata-se realmente de dignidade e orgulho”, disse.

No ano passado, um mapa que traz o Brasil no centro do mundo, lançado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), causou polêmica nas redes sociais. Chamada de “lacração geográfica” por alguns e “ícone decolonial” por outros, a projeção polarizou internautas que passaram a discutir temas como cartografia, geopolítica e patriotismo.

Na época, o órgão falou em “grande sucesso” e decidiu vendê-lo na loja virtual do IBGE. Em maio deste ano, o instituo lançou uma versão invertida do mapa.