SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Por mais de dois séculos, cabras viveram isoladas na Ilha de Santa Bárbara, em Abrolhos, no sul da Bahia. Foram 21 animais retirados do local em uma operação do ICMBio, com apoio da Marinha, da Embrapa, da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e da Adab (Agência de Defesa Agropecuária da Bahia).

Cabras chegaram ao campus da Uesb, em Itapetinga, em fevereiro de 2025. nesta segunda-feira (25), são fonte de pesquisas que buscam entender como sobreviveram em um ambiente sem água doce.

Presença dos caprinos, introduzidos no período colonial, causava danos ao ecossistema. Eles destruíam a vegetação e atrapalhavam a reprodução de aves marinhas que usam Abrolhos como berçário.

Remoção foi considerada essencial para recuperar a área. “No passado, os caprinos serviam como fonte de proteína animal. Atualmente, com os recursos da vida moderna e o apoio logístico prestado bimestralmente pela Marinha aos militares que guarnecem a Ilha de Santa Bárbara, a presença dos animais tornou-se desnecessária”, afirmou o Capitão de Fragata Douglas Luiz da Silva Pereira, responsável pela operação.

TESOURO GENÉTICO

Na Uesb, as cabras foram colocadas em quarentena. O objetivo foi garantir adaptação ao continente e cuidados sanitários. Pesquisadores acreditam que os animais carregam um material genético de grande valor.

“Imagine um material genético que se desenvolveu em uma ilha sem água. Esses animais têm e devem ter, na sua genética, um componente que lhes permitiu essa sobrevivência. Esperamos que isso seja confirmado pela ciência”, disse Ronaldo Vasconcelos, professor do curso de Zootecnia.

Pesquisador explica que a pesquisa busca genes que aumentem a resistência de rebanhos no semiárido. “Esses genes podem melhorar o desempenho de animais do continente, tornando-os mais resistentes em áreas com escassez de água. Além disso, esse material genético pode ser valioso para pequenas propriedades rurais”, completa.

Primeiros estudos revelaram variações de pelagem, chifres, úberes e perfil cranial. No total, foram registradas cinco cores de pelo, duas formas de chifre, três tipos de úbere e dois formatos de crânio. Apesar das diferenças, ainda não é possível classificá-las como uma nova raça.

“É avaliado o perfil da cabeça, a posição e o tamanho de chifres e orelhas, a coloração da pelagem, a estrutura corporal, a altura, o tamanho da cauda. Tudo isso é medido milimetricamente, porque essas características, sendo universais, definem o animal com um padrão. Se o animal passa a ter um padrão, pode ser uma raça”, disse Ronaldo Vasconcelos.

Outro dado observado foi o porte reduzido. Pesquisadores acreditam que o tamanho menor seja resultado da limitação geográfica e da competição por alimento.

TAXA DE REPRODUÇÃO

A taxa de reprodução também chamou atenção. Muitas fêmeas estavam prenhas ao serem capturadas e conseguiram levar gestações gemelares até o fim. “A maioria das cabras que vieram paridas tiveram partos gemelares. E as que pariram aqui também. Isso mostra que elas estavam muito bem adaptadas. O animal só potencializa a reprodução quando o ambiente favorece. É um dado muito interessante”, disse o professor.

Habilidade materna foi outro ponto de destaque. “O que surpreendeu foi que elas passaram pelo estresse da captura, do transporte, poderiam ter abandonado as crias, secado o leite, e não fizeram isso. Isso mostra uma habilidade materna espetacular”, acrescentou.

Os próximos passos incluem análises genéticas detalhadas. Se confirmada a singularidade, Uesb e Embrapa vão ampliar o rebanho e armazenar sêmen e embriões. O plano prevê ainda a distribuição do material genético para pequenos produtores.

Para o professor Dimas Oliveira, especialista em melhoramento animal, a relevância é enorme. “Esse é um material novo, de grande interesse para a zootecnia nacional, especialmente para a criação no semiárido. Precisamos entender e avaliar suas potencialidades”, afirmou.

Com mais de 200 anos de história, as cabras de Abrolhos agora deixam de ser invasoras. Passam a ser aliadas da ciência e podem contribuir para a agricultura familiar em regiões de seca.