SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Kinoforum, festival internacional de curtas-metragens que acontece até domingo (31), em São Paulo, homenageia nesta edição duas personalidades do audiovisual brasileiro, Léa Garcia e Jean-Claude Bernardet, com três filmes curtos.
Léa Garcia morreu em agosto de 2023, durante o Festival de Gramado, aos 90 anos. Bernardet, que completaria 89 anos em agosto deste ano, morreu em julho, em São Paulo.
Os filmes desta homenagem são bem diferentes. Garcia está em “Bela LX-404”, onde faz, precisamente, o papel de Bela, uma robô escolhida por William (Thiago Justino). Escolhida não é bem a palavra. Nesta comédia de ficção científica, William é um homem de meia-idade que se encanta com um anúncio na TV que lhe promete a companheira ideal.
William busca uma robô de 38 anos, mas acontece algum erro de digitação e, em vez disso, chega uma de 83 anos. É Garcia, precisamente, centro da simpática comédia escrita e dirigida por Luiza Botelho e finalizada no ano passado.
Luiza Botelho trabalha numa chave feminista e etarista, pode-se dizer. Se logo de cara Bela é rejeitada por William é por causa de sua idade. No entanto, ela mostrará que o erotismo não está fora de sua programação.
Garcia tornou-se um dos nomes femininos mais relevantes do audiovisual brasileiro, primeiro por sua participação em “Orfeu Negro”, filme de Marcel Camus que lançou o Brasil ao mundo cinematográfico em 1959, tal o sucesso que alcançou. Léa fez diversos outros filmes, inclusive “As Filhas do Vento”, de Joel Zito Araujo, que lhe valeu o troféu Kikito de melhor atriz em Gramado, em 2004.
Ela se tornou famosa pelo seu trabalho em televisão, em especial ao fazer uma vilã em “Escrava Isaura”, mas dificilmente poderia se reduzir seu trabalho a isso. Começou no teatro, com Abdias Nascimento, trabalhou em várias estações de TV, sofrendo quase sempre das limitações de papel a que eram submetidos os atores negros.
Um dos aspectos mais interessantes de “Bela LX-404” é ser um filme em que todos os atores são negros. Mas poderiam perfeitamente ser brancos. Talvez seja um passo importante para que o racismo se desvaneça haver obras que partam do princípio da igualdade entre as pessoas.
Quanto à segunda homenagem do Kinoforum deste ano, é difícil definir quem exatamente foi Bernardet. Professor, ator, roteirista, diretor, ficcionista, cineclubista, teórico e historiador do cinema, além de ter participado da Cinemateca Brasileira desde sempre.
Esses muitos papéis de certa forma estão presentes nos dois filmes curtíssimos desta homenagem, assinados em parceria por ele e Fábio Rogério. O primeiro se chama “Homenagem a Kiarostami”, e tem algo de difícil compreensão: há uma longa tomada em que se vê alguém que pode se chamar Kiarostami sentado de costas, numa cadeira de praia.
Sobre ela, Bernardet narra uma história onde humor e mau humor se mesclam, de Eduardo Coutinho, o grande documentarista, que era, mais ainda, um grande fumante.
O segundo interessa mais pela imagem. “Mensagem de Sergipe” começa com um velho filme em preto e branco sobre o qual surgem as vozes de diversos amigos desejando um feliz aniversário e muitos anos de vida. Logo depois, entra Bernardet reclamando que recebeu mensagens de todo mundo, menos de Sergipe. Ninguém de Sergipe.
As mensagens desejam felicidades e muitos anos de vida. Bernardet diz que não quer muitos anos de vida. Estava naquele momento com 88, já estava de bom tamanho.
O que se segue são imagens de vários filmes, como “Mato Seco em Chamas”, de Adirley Queirós. Imagens de terra queimando, ardente. Sobre elas, o som de Bernardet fazendo amor. Bem típico dele nesse momento: como se o seu arsenal crítico nesse momento da vida tivesse se voltado essencialmente ao próprio corpo, à própria carne, à sexualidade homossexual.
Era uma máquina de pensar, que em dado momento parece ter deixado o cinema em segundo plano para refletir sobre si mesmo. No caso, é como se tivesse ele próprio a maneira de se homenagear, pelo humor, pela irascibilidade, pela exteriorização da intimidade.
FESTIVAL DE CURTAS KINOFORUM
– Quando Até 31 de agosto
– Onde Cinemateca Brasileira – lg. Sen. Raul Cardoso, 207; CineSesc – r. Augusta, 2.075; MIS – av. Europa, 158; Espaço Petrobras de Cinema 4 – r. Augusta, 1.470; Circuito Spcine – r. Vergueiro, 1.000
– Preço Grátis
– Link: https://2025.kinoforum.org/