SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil tem hoje menos de 200 dos mais de 10 mil data centers espalhados pelo mundo, contando aqueles de provedores de nuvem, os serviços terceirizados e os de conectividade usados pelas empresas de telecomunicação. Os dados constam do levantamento colaborativo Data Center Map.

A cobertura do país é ainda menor quando se consideram as estruturas com tecnologia de ponta, capazes de suportar processos complexos como o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial. Estudo do Instituto de Internet da Universidade de Oxford mostra que o Brasil tem instalado em seu território apenas um provedor de nuvem que oferece os aceleradores necessários para treinar grandes modelos de linguagem como o ChatGPT -o braço de serviço de nuvem da Amazon, AWS.

Embora seja um provedor menor, não considerado no levantamento de Oxford, o serviço de nuvem da Oracle também oferece chips da Nvidia no Brasil.

Enquanto duas empresas têm operações capazes de ofertar esse serviço em território brasileiro, os Estados Unidos têm 22 polos com tecnologia de ponta, aponta o artigo acadêmico -os americanos ainda têm vantagem em capacidade instalada dos complexos.

De acordo com o Data Center Map, os americanos concentram quase 40% do total de data centers -3.955 dos 10.461 complexos contabilizados.

Os países têm mobilizado esforços para garantir a instalação de provedores de nuvem e de data centers em seus territórios sob a justificativa da busca por soberania digital. Desta forma, o Estado pode garantir que o processamento de dados esteja de acordo com as leis nacionais e sob a jurisdição de seus tribunais.

O relatório de Oxford e pesquisadores ouvidos pela reportagem ressaltam que há ainda outros elementos cruciais para a soberania nacional, como a origem das empresas que fornecem os serviços de nuvem pública e a cadeia de produção dos equipamentos usados nos data centers.

Dados do Gartner mostram que empresas americanas concentram 70,6% do mercado de computação de nuvem. A Amazon é dominante no setor, apesar de a Microsoft, que detém direitos sobre a produção intelectual da OpenAI, e Google terem apresentado crescimento relevante desde a popularização dos modelos de inteligência artificial. Esses grande provedores de estrutura em nuvem são chamados de “hyperscalers”, graças à sua capacidade de investimento sem par.

Na sequência, vêm as empresas chinesas Alibaba (7,2%) e Huawei (4,1%). Existem provedores de nuvem europeus menores que são relevantes para o mercado local, de acordo com o artigo do Instituto de Internet de Oxford, enquanto na América Latina, África e Oceania não há empresas relevantes do setor.

Em relação à cadeia de produção das peças de computador, a empresa dominante também é americana, a Nvidia. Porém o cenário é mais complexo, pois a produção é dividida entre vários países.

A Nvidia exerce controle porque é a responsável pelo desenvolvimento intelectual dos chips e da coordenação da cadeia produtiva, mas a taiwanesa TSMC os fabrica, e a holandesa ASML faz as máquinas necessárias na fabricação.

Os hyperscalers americanos também produzem semicondutores próprios em menor escala.

Um exemplo do peso estratégico dessa atividade é o esforço de Donald Trump para nacionalizar a fabricação de semicondutores, com ameaças de tarifas para as empresas que não construírem fábricas em solo americano.

De novo, só a China tem alguma independência em relação aos americanos. Após Donald Trump iniciar uma restrição comercial de semicondutores para os mercados chineses, Alibaba, Huawei e Tencent começaram a investir em tecnologia própria.

A Huawei, por exemplo, selou uma parceria com a também chinesa SMIC para produzir um chip de 7 nanômetros com capacidades que seriam proibidas pelos controles de exportação dos EUA.

O Brasil, por ora, tem uma estratégia de soberania digital em curso: o investimento na construção de “uma nuvem soberana”, comprando servidores dos hyperscalers para instalá-los em empresas públicas como o Serpro e a Data Prev. O modelo é proposto pelas próprias big techs e adotado em outros países.

Nesse contrato, a atualização e manutenção das máquinas ainda dependem das empresas americanas e chinesas. Essa dependência seria uma brecha na soberania digital brasileira, segundo o professor de sociologia da UFABC (Universidade Federal do ABC) Sérgio Amadeu.

O governo também discute a publicação de uma medida provisória, com previsão de incentivos fiscais e simplificação normativa, para atrair complexos de processamento de dados para o país. Hoje, 60% dos serviços digitais comprados no país são faturados em data centers americanos, e o Ministério da Fazenda diz que seu objetivo é trazer essas operações para o Brasil.

De acordo com o diretor de desenvolvimento industrial, tecnologia e inovação da Fiesp, Jefferson Gomes, o setor de infraestrutura digital brasileiro triplicou sua capacidade de oferta nos últimos cinco anos, mas, ao mesmo tempo, a demanda se multiplicou por dez.

Esse descompasso, diz ele, é o motivo da lacuna apontada pela Fazenda.

Embora um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) afirme que não exista consenso sobre o impacto econômico da concentração do mercado de data centers, há teóricos que citam o risco de um sistema de exploração digital similar ao colonialismo.

Para o conselheiro do CGI (Comitê Gestor da Internet) Rodolfo Avelino, está em formação uma nova divisão internacional do trabalho em que os Estados detentores de tecnologia exploram os que estão desprovidos. “A extração de dados de populações em países que não conseguem processar essas informações em seus próprios territórios aumenta a dependência das big techs e a submissão econômica e tecnológica aos países ricos.”