SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Operação Ícaro investiga fraudes bilionárias envolvendo o ressarcimento de ICMS-ST (substituição tributária) para empresas do varejo.
A substituição tributária é a cobrança do imposto no início da cadeia de produção ou na importação, considerando como base de cálculo uma estimativa do valor na venda final ao consumidor dentro do mesmo estado. Por exemplo, no caso de um produto que teria ICMS cobrado na fábrica, no distribuidor e no varejo, ele é recolhido apenas pela indústria, mas com um valor maior. O objetivo é cobrar o tributo uma única vez, reduzindo a chance de sonegação.
Em vez de a indústria recolher ICMS sobre o seu preço de venda para um distribuidor (18% de imposto sobre R$ 100, por exemplo), ela recolhe ICMS-ST sobre o valor na venda para o consumidor (18% sobre R$ 150, por exemplo). Nesse caso, a indústria é o substituto tributário, e as demais empresas “substituídas” não fazem nenhum recolhimento.
Lembrando que o ICMS é, em tese, um IVA (Imposto sobre Valor Agregado): quando uma empresa recolhe o tributo sobre a venda tem direito a recuperar o que foi pago na compra do mesmo produto, para que a cobrança não ocorra duas vezes sobre o mesmo valor.
No exemplo acima, ao vender para o distribuidor a indústria já embute no preço esse imposto recolhido, e o mesmo acontece quando o distribuidor repassa o produto para o varejista.
Há casos, no entanto, em que o imposto calculado para uma empresa foi cobrado a mais, e ela pode pedir o ressarcimento desse imposto por meio da liberação de um crédito, que até então poderia ser utilizado para pagar tributos ou ser repassado a outras empresas.
Um dos casos é o de vendas feitas para outros estados, que respondem cerca de 80% dos créditos de ICMS-ST. A Operação Ícaro, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo, se refere a esta modalidade, explica o ex-auditor fiscal da Receita Estadual de SP Ângelo de Angelis, sócio da Angelis Campos Félix & Santi Consultores, em artigo publicado no blog Que Imposto É Esse.
Por exemplo, uma indústria paulista, ao recolher o ICMS, considera o tributo que seria cobrado da varejista se fosse vendido no estado. No entanto, há uma interrupção da cadeia em São Paulo, e haverá recolhimento de imposto novamente, agora para o destino.
Se o destino da venda for um local que possui convênio com São Paulo, a empresa paulista recolhe o imposto em favor do outro estado. Se não houver convênio, o primeiro contribuinte que tiver contato com a mercadoria no destino faz a retenção -o que não altera a questão do pedido de ressarcimento.
Os outros 20% de créditos a serem ressarcidos se referem a outras hipóteses, como na venda ao consumidor abaixo do preço usado para cálculo do imposto na fábrica.
O valor nessa modalidade é menor porque há um regime especial em que a empresa abre mão do ressarcimento e, por outro lado, não fica obrigada a recolher a diferença quando o preço de venda final é maior do que o utilizado na base de cálculo do ICMS-ST. Este não é o tipo de ressarcimento objeto das fraudes desvendadas pela Operação Ícaro, segundo o ex-auditor do fisco paulista.
Há alguns anos, o governo passou a permitir a transferência de créditos de ICMS-ST a empresas de fora da mesma cadeia de produção, o que foi revisto após a Operação Ícaro, que apontou problemas nesse sistema. A transferência volta a ser permitida apenas dentro da própria cadeia produtiva -de uma farmácia para a fabricante do medicamento, por exemplo.
Na reação à investigação, a Secretaria da Fazenda de São Paulo também revogou a norma que permitia a liberação “acelerada” de créditos acumulados de ICMS para empresas classificadas pela própria secretaria como bons contribuintes -questão que não tem relação com o ressarcimento de ICMS-ST nem com a Operação Ícaro.
Na operação, o Ministério Público de São Paulo investiga suposto esquema bilionário de propinas e créditos irregulares de ICMS-ST, com envolvimento de grandes varejistas e auditores fiscais da Sefaz-SP.