SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com dez pessoas denunciadas, a investigação sobre um suposto esquema de corrupção na Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP) aponta um dano financeiro de R$ 16 milhões ao município, diz o Ministério Público.

Os supostos desvios em contratos englobariam áreas de saúde, limpeza urbana e infraestrutura, e informática, entre outros, mostrando uma rede com ampla atuação no município, segundo a Promotoria. O esquema seria liderado pelo prefeito Marcelo Lima (Podemos), agora afastado. O TJ-SP (Tibunal de Justiça de São Paulo) disse na noite de quarta-feira (20) que deu 15 dias para o chefe do Executivo apresentar defesa prévia.

O Ministério Público afirma na denúncia que havia menção explícita a percentuais sobre cada contrato envolvendo a prefeitura e a Fundação ABC, uma organização social de saúde.

Em nota enviada na terça-feira (19), a administração municipal disse que já havia, desde o início do ano, uma auditoria externa contratada para analisar convênios e contratos na cidade e que uma comissão especial será instalada para reforçar a apuração. Afirmou também que não houve impacto nos serviços públicos. Já a fundação se colocou à disposição para esclarecimentos.

Veja o papel atribuído pela Promotoria a cada denunciado no suposto esquema e o que dizem as defesas.

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MARCELO LIMA

Eleito pelo Podemos, o prefeito, agora afastado, seria o líder da organização criminosa montada para tirar benefícios a partir de recursos oriundos de contratos com o município e com a Fundação ABC, segundo a Promotoria. Determinaria operações como pagamento de contas pessoais e transferências via Pix para outros envolvidos no esquema, além de fazer um controle do fluxo de dinheiro, exigindo previsões sobre as entradas e saídas.

Também teria influência para negociar a nomeação em cargos públicos, como fez, segundo a investigação, para a lotação de sua própria mulher, Rosangela dos Santos Lima Fernandes, e do principal operador do esquema na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). Procurada, a defesa não respondeu até a publicação deste texto.

PAULO IRAN PAULINO DA COSTA

Preso com R$ 14 milhões em julho, é apontado pelo Ministério Público como o operador principal do esquema, responsável pela arrecadação de recursos e o contato com outras pessoas dedicadas à tarefa. Supostamente pagava contas pessoais da família, como passagens aéreas, boletos de faculdade de medicina de uma das filhas do prefeito e contas telefônicas, além de transferências para familiares.

Lotado no gabinete do deputado estadual Rodrigo Moraes (PL), foi exonerado após a deflagração da operação. A defesa de Paulo Iran disse que vai se manifestar nos autos.

ANTONIO RENE DA SILVA CHAGAS

Atualmente afastado, o diretor de departamento na Secretaria de Coordenação Governamental da prefeitura é apontado como o segundo operador do esquema, com papel de intermediário na arrecadação e na movimentação dos valores. Manteria um celular separado para tratar dos negócios ilegais, segundo a denúncia. As trocas de mensagens entre ele e Paulo Iran mencionam pagamentos de despesas do prefeito e de passagens internacionais e contas de viagem da esposa de Marcelo (no valor de R$ 77 mil), entre outros.

A defesa afirmou que ainda está obtendo acesso ao inteiro teor da investigação e que vai se manifestar apenas nos autos.

FABIO AUGUSTO DO PRADO

Secretário de Coordenação Governamental da Prefeitura de São Bernardo, também foi afastado. Tratado como Fabio Campanha ou Sacolão, por ser sócio de um estabelecimento do tipo, articularia a distribuição de dinheiro, inclusive aos vereadores afastados Ary de Oliveira (PRTB) e Danilo Lima (Podemos), primo de Marcelo Lima e presidente da Câmara. A Folha não localizou a defesa dele.

ROQUE ARAÚJO NETO

Servidor do gabinete da deputada estadual Carla Morando (PSDB), foi exonerado após a operação. Teve o nome apontado em controle de dinheiro de Paulo Iran. A defesa afirma que há erro de identificação e que Roque não é a pessoa envolvida nos esquemas.

“Todos os elementos colhidos até o momento apontam apenas para uma pessoa chamada ‘Roque’, sem que haja a mínima ligação e comprovação de que tal nome e anotação apreendida em poder de outro investigado se refiram, de fato, a Roque Araújo Neto”, dizem os advogados.

Para Fabrício Reis Costa, integrante da defesa, o celular citado no inquérito não é o de seu cliente, que foi metalúrgico e é uma liderança comunitária, tendo trabalhado com a deputada Carla Morando e também, em outro período, com marido dela, o atual secretário de Segurança Urbana da capital paulista, Orlando Morando.

“O Roque denunciado é uma pessoa extremamente simples, não tem sequer uma vida compatível com uma movimentação financeira como essa.” Procurado, o Ministério Público disse apenas que vai se manifestar nos autos sobre a tese da defesa.

DANILO LIMA

Primo do prefeito e também afastado de seu cargo, é apontado pela Promotoria como operador, junto a Paulo Iran, na organização de pagamentos dos recursos. Os valores citados em uma conversa de junho de 2024, por exemplo, são R$ 50 mil para Danilo, que seriam entregues na Câmara. Já em maio deste ano, Danilo teria solicitado a Paulo que fizesse um pagamento de R$ 104 mil a um terceiro, recebendo depois um comprovante. A defesa afirmou que só vai se manifestar nos autos do processo.

ARY JOSÉ DE OLIVEIRA

O vereador pelo PRTB é apontado pela Promotoria como beneficiário do esquema. Nas conversas citadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público apreendidas no celular de Paulo Iran, há citação de uma conversa de agosto do ano passado entre Fábio do Prado e Iran.

Os interlocutores falam de entrega de três parcelas, que seriam de R$ 50 mil ao vereador Ary. Antes, em 8 de agosto de 2022, Paulo Iran informou ao prefeito afastado Marcelo Lima “Ary ok”, e depois confirmou que se tratavam de R$ 10 mil ou R$ 30 mil a serem entregues em notas de R$ 20 e R$ 50.

Segundo a defesa, a denúncia é ilegal por estar fundamentada em gravidade abstrata de supostos delitos —argumento usado para o afastamento e o pedido de suspensão de salário feito pelos pares do Legislativo municipal.

“O afastamento é ilegal na medida em que se fundamenta exclusivamente na gravidade abstrata. Já o pedido de suspensão do salário formulado por alguns vereadores é inconstitucional.”

PAULO SÉRGIO GUIDETTI

É citado, segundo a Promotoria, como um servidor com influência política no município, em especial no comando do Progressistas em São Bernardo do Campo e foi integrante da equipe de transição do prefeito. Em conversas, segundo a denúncia, o prefeito Marcelo Lima pergunta a Paulo Iran se “o dinheiro do Guidetti chegou esse mês”. Com a negativa do operador, o prefeito manda que ele “dê uma de bobo” e pergunte se tem algo novo. Isso indicaria, diz o Ministério Público, participação dele no fluxo ilícito de movimentação de valores.

CAIO FABBRI

Sócio da Quality Medical, distribuidora de medicamentos, é apontado como parte do núcleo empresarial, que daria dinheiro para a organização. Ele também é sócio de outra empresa, a C F Holding e Administração de Bens Próprios LTDA. Com capital social de R$ 5.000, a empresa é proprietária de vários carros de luxo, segundo a denúncia, como uma Ferrari 296 GTS (R$ 4,21 milhões), um Porsche 911 Turbo S (R$ 2,15 milhões) e um Porsche Cayenne TCPHEV (R$ 1,45 milhão), entre outros.

A Quality é citada em conversas de Paulo Iran, com diferentes valores que teriam sido movimentados pela suposta organização. Em quatro meses, o montante teria chegado a R$ 1,9 milhão. Fabbri foi preso em flagrante na Operação Estafeta, com conversão para prisão preventiva (sem prazo), e teve apreendidos R$ 215 mil em casa e R$ 1,9 milhão na sede da empresa.

A defesa diz que a empresa tem mais de 20 anos no mercado e contratos com diferentes municípios. Diz que a denúncia é ilegal e ocorreu apenas pelo fato de ele ser sócio proprietário da empresa e também que nem ele, nem o irmão, Fellipe Fabbri, conhecem ou têm vínculos com os investigados.

“A denúncia apresentada pelo Ministério Público no âmbito da operação, ao contrário de cumprir o seu papel, deixa mais dúvidas do que respostas. Não logrou pormenorizar um único ato ilícito atribuível a Caio Fabbri —justamente em razão de seu distanciamento dos fatos apurados na operação Estafeta.”

EDIMILSON DE DEUS CARVALHO

Sócio da Terraplanagem Alzira Franco, estaria envolvido na custódia e no fluxo de recursos do esquema, segundo o Ministério Público. Edimilson foi preso na operação e teve R$ 1,94 milhão apreendido com ele. Em conversas com Paulo Iran obtidas pela investigação, há menções “convites”, que seria uma expressão para disfarçar as negociações de valores.

Em posicionamento anterior, a defesa havia dito que o dinheiro “é fruto de seu trabalho e não de nenhum esquema de corrupção”.