SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de São Paulo vai expandir a prescrição de canabidiol nas unidades públicas municipais de saúde para doenças como autismo, Alzheimer, depressão e ansiedade. No total, estão previstas 31 patologias para prescrição médica, segundo nota técnica e orientações da SMS (Secretaria Municipal de Saúde) repassadas aos profissionais de saúde, e as quais a Folha teve acesso com exclusividade.
A SMS está treinando os médicos responsáveis técnicos de cada UBS (Unidade Básica de Saúde) do município para prescrever o canabidiol para as doenças, segundo quatro pessoas ouvidas pela reportagem. Um médico que participou dos treinamentos afirmou que houve orientação para que o remédio já seja prescrito e que já está disponível para entrega em farmácias municipais.
O medicamento, porém, ainda não está incluído na lista oficial de remédios disponíveis para a população, a Remume (Relação Municipal de Medicamentos). Já o sistema de consulta eletrônica “Remédio na Hora” indica a disponibilidade do canabidiol em diversas farmácias municipais, mas continua apontando a necessidade de uma ação judicial para a sua retirada.
Não há obrigatoriedade de publicação no Diário Oficial ou no site da SMS da nota técnica enviada aos médicos.
A SMS foi procurada por WhatsApp e email para prestar esclarecimentos sobre a nota técnica, o andamento da capacitação dos profissionais e as indicações de prescrição, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.
O deputado estadual Caio França (PSB), autor da lei aprovada para a distribuição de canabidiol em São Paulo pelo SUS (Sistema Único de Saúde), disse que consultou técnicos da SMS e confirmou que a secretaria está divulgando uma nota interna e realizando capacitações para que médicos da rede municipal possam prescrever o canabidiol.
“O fluxo ainda não está andando perfeitamente, mas considero isso [a ampliação] um grande avanço e acredito que pode ser o incentivo que falta para o governo estadual adotar uma postura semelhante, já que o grupo de trabalho que regulamenta a lei estadual tem demonstrado uma resistência maior”, disse.
Até então, o Governo de São Paulo era referência na prescrição de canabidiol, mas limitava a recomendação para pacientes de síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gasteau e complexo da esclerose tuberosa, que enfrentem graves crises epiléticas e resistência às terapias convencionais.
França relembrou que a nota técnica havia sido publicada em maio, mas depois foi retirada do ar por causa de polêmicas. Existe um link oficial da prefeitura que, pelo endereço, seria sobre a dispensação de canabidiol nas unidades públicas municipais de saúde, mas ao tentar acessar, o site apresenta erro.
“Do ponto de vista formal não há essa necessidade [de publicação da nota técnica]. O ideal era fazer a publicação para que a população tome conhecimento, para não ficar uma coisa interna só para servidor”, disse França.
Na rede pública municipal de saúde, os pacientes terão acesso a diferentes apresentações de medicamentos à base de canabidiol, segundo a nota técnica. Esses produtos variam principalmente quanto à concentração e à presença ou não de THC (tetrahidrocanabinol), substância psicoativa da planta Cannabis sativa. A posologia será definida pelo médico conforme a condição clínica do paciente e a resposta terapêutica.
O Canabidiol Full Spectrum contém até 0,2% de THC, além de vitamina E e ômega 3. É chamado de “espectro completo” porque preserva outros componentes da planta, o que pode potencializar os efeitos terapêuticos. Disponível nas concentrações de 200 mg/ml e 100 mg/ml.
Já o Canabidiol Broad Spectrum é livre de THC, mas também contém vitamina E e ômega 3. É indicado para pacientes que não devem ou não desejam usar produtos com traços de THC. Também disponível em em concentrações de 200 mg/ml e 100 mg/ml. Todos os produtos estão em forma de solução oral e serão retirados mediante prescrição médica e outros documentos.
A nota técnica indica que o paciente deve apresentar cartão SUS ou CPF, a prescrição médica, a notificação de receita especial B1 (azul) e o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), que assegura que o paciente ou responsável está ciente dos riscos e benefícios do tratamento.
O uso do canabidiol para fins medicinais no Brasil está amparado por diferentes normas e resoluções. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu, em 1998, regras específicas para a importação, fabricação e comercialização de produtos à base de Cannabis sativa.
Em 2019, a agência avançou ao criar uma categoria específica para medicamentos derivados da planta, definindo critérios de prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização.
Em 2022, o CFM autorizou médicos devidamente registrados a prescreverem esses produtos. No ano seguinte, o estado de São Paulo instituiu a política de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol no SUS e publicou protocolo clínico com diretrizes terapêuticas, restrito a três casos específicos.
Ao menos 24 unidades da federação ou já aprovaram uma regra sobre o tema ou estão debatendo o assunto no Legislativo.
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QUEM PODE PRESCREVER O CANABIDIOL NAS UNIDADES MUNICIPAIS DE SAÚDE?
Qualquer médico habilitado no conselho de medicina e que tenha passado por capacitação específica promovida pela Secretaria Municipal de Saúde está autorizado a prescrever o canabidiol.
QUAIS DOENÇAS PODEM SER TRATADAS COM CANABIDIOL NA REDE MUNICIPAL?
Além das três doenças contempladas no âmbito estadual síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e esclerose tuberosa, a prefeitura ampliou as indicações para outras condições, como autismo, Alzheimer, Parkinson, depressão, ansiedade e distúrbios do sono, entre outras.
ONDE É POSSÍVEL RETIRAR O CANABIDIOL?
O medicamento estará disponível nas farmácias das unidades de referência do SUS municipal. A localização e disponibilidade podem ser consultadas na ferramenta digital “Remédio na Hora”, que indica as unidades com estoque atualizado.
QUANTOS FRASCOS POSSO RETIRAR DE UMA VEZ?
A quantidade liberada deve cobrir até 60 dias de tratamento, conforme a posologia definida pelo médico, que deve levar em consideração a condição clínica do paciente e a resposta terapêutica.
Não há um limite máximo de tempo pré-definido para o uso do medicamento. O tratamento pode ser contínuo, desde que haja acompanhamento médico e reavaliações clínicas.
QUAIS DOCUMENTOS SÃO NECESSÁRIOS PARA A RETIRADA DO CANABIDIOL?
O paciente deve apresentar cartão SUS ou CPF, a prescrição médica, a notificação de receita especial B1 (azul) e o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido).
QUAL A VALIDADE DA RECEITA?
A receita e a Notificação B1 têm validade de 30 dias a partir da emissão. Após esse prazo, é necessário obter uma nova prescrição.
O QUE É O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)?
É um documento que o paciente ou seu representante legal assina confirmando que recebeu informações claras sobre os possíveis riscos, benefícios, contraindicações e cuidados relacionados ao uso do canabidiol.
POSSO USAR UMA RECEITA FEITA POR MÉDICO PARTICULAR OU DE OUTRO MUNICÍPIO?
Sim, desde que atenda a todas as exigências legais e técnicas (receita, Notificação B1 e TCLE).
O CANABIDIOL É UM MEDICAMENTO CONTROLADO?
Sim. Os produtos à base de Cannabis fazem parte da lista de substâncias controladas, exigindo notificação de receita especial para prescrição e dispensação, conforme normas da Anvisa e portarias municipais.
O TRATAMENTO EXIGE ACOMPANHAMENTO MÉDICO?
Sim. O paciente deve retornar periodicamente ao médico para avaliação clínica e emissão de nova receita. O farmacêutico também pode orientar sobre o uso correto e possíveis efeitos adversos.
O QUE ACONTECE SE SURGIREM EFEITOS ADVERSOS DURANTE O TRATAMENTO?
O médico responsável deve ser informado imediatamente e há um sistema de notificação de eventos adversos chamado VigiMed, que monitora a segurança do tratamento com canabidiol.
O CANABIDIOL PODE SER UTILIZADO EM CRIANÇAS?
Sim, mas com restrições. O uso não é recomendado para crianças menores de 2 anos, de acordo com as informações dos produtos.
HÁ GARANTIA DE MELHORA DOS SINTOMAS COM O USO DO CANABIDIOL?
Não. Apesar do empenho médico, não há garantia absoluta de eficácia do produto para todos os pacientes, podendo o tratamento ser interrompido se não apresentar resultados ou comprometer a segurança do usuário.