BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na opinião do historiador Danny Orbach, não há um genocídio em curso na Faixa de Gaza, e as afirmações de que há fome generalizada no território palestino são incorretas e exageradas.

Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Orbach publicou recentemente, com colegas, um estudo chamado “Desmascarando as acusações de genocídio: uma reexame da guerra Israel-Hamas”, no qual rejeitam a ideia de que as ações de Tel Aviv em Gaza podem ser caracterizadas como genocidas.

“[A acusação de genocídio] não é um exagero, não é uma distorção. É algo tão distante da verdade que acho vergonhoso que pessoas sérias possam considerá-la”, afirma o professor à Folha de S.Paulo.

O estudo busca cruzar dados israelenses, palestinos e internacionais para identificar inconsistências de informações divulgadas. Também aponta para supostos vieses de organizações humanitárias e da comunidade internacional ao acusar Israel de cometer genocídio e de provocar intencionalmente fome e desnutrição em Gaza.

Outros acadêmicos, por outro lado, citados em análise publicada no jornal Haaretz, criticam a metodologia e o que chamam de erros e enviesamentos do estudo. O texto completo, por enquanto, só está disponível em hebraico e foi publicado pelo Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos da Universidade Bar-Ilan; uma versão atualizada, em inglês, deverá ser publicada em breve.

Orbach defende que os objetivos militares de Tel Aviv são legítimos, como derrotar o Hamas, e que Israel, ainda que de forma imperfeita, tenta minimizar mortes de civis, o que seriam algumas das justificativas para a rejeição dos acadêmicos da acusação de genocídio.

Para ele, a definição internacionalmente aceita do crime de genocídio tem sido alargada de forma equivocada para incluir as ações de Israel durante a guerra contra o Hamas.

O termo genocídio foi cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin, em 1944. O conceito foi então base da Convenção para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, criada em 1948.

Segundo a convenção, em seu artigo 2, “genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, em parte ou integralmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

Assassinato de membros do grupo; Provocar sérios danos físicos ou mentais a membros do grupo; Deliberadamente infligir ao grupo condições de vida calculadas para resultar na sua destruição física em parte ou integralmente; Impor medidas com a intenção de impedir nascimentos dentro desse grupo; Transferir à força crianças do grupo para outro grupo.” Orbach usa exemplos históricos de casos da Segunda Guerra Mundial e da guerra da Iugoslávia para justificar seu ponto.

Ele relembra uma operação americana para destruir vias marítimas comerciais do Japão e, portanto, a chegada de alimentos ao país, chamada “Operation Starvation” (Operação Fome) e o caso de Goran Jelisic, bósnio de origem sérvia que foi alvo de mais de 30 acusações de crimes de guerra e contra a humanidade, pelos quais foi condenado a 40 anos de prisão, mas considerado inocente da acusação de genocídio, em tribunal internacional criado para julgar o conflito dos Bálcãs.

“É preciso ter cuidado com isso. Deve haver uma intenção muito clara de destruição de um grupo para tal. Não se pode interpretar a questão da intenção de qualquer outra forma, e os tribunais internacionais têm sido, ao menos até o momento, bem claros quanto a isso”, afirma.

No ano passado, em parecer de uma denúncia apresentada pela África do Sul, a Corte Internacional de Justiça determinou que Israel deveria permitir o acesso à ajuda humanitária em Gaza e fazer o que fosse possível para evitar atos de genocídio. O tribunal, porém, não classificou de genocídio a operação israelense nem ordenou um cessar-fogo, como pedia o governo sul-africano.

O historiador israelense não nega que existam crimes de guerra ocorrendo em Gaza e também critica a decisão do governo de Israel de ter suspendido a entrada de ajuda humanitária (depois retomada) no território.

Historiador militar, Orbach, por outro lado, ressalta que nenhuma análise sobre o conflito em Gaza deve ser feita sem considerar as conexões entre as ações dos dois lados. “Guerras, qualquer uma delas, são uma atividade recíproca e interativa em que um lado é influenciado pelo comportamento do outro”, afirma, ressaltando, por exemplo, a tática do Hamas de usar infraestrutura civil e de se misturar a não combatentes.

O estudo também se apoia no exemplo do Iraque, nos anos 1990, para dizer que, na ocasião, havia a acusação e a percepção generalizada na comunidade internacional de que as sanções dos Estados Unidos contra o país liderado por Saddam Hussein estavam provocando aumento catastrófico da mortalidade infantil, algo que, segundo Orbach e alguns estudos recentes, provou-se errado.

“Como vimos no Iraque, as organizações podem estar erradas porque frequentemente se apoiam em fontes muito restritas, que se baseiam umas nas outras. Assume-se um desastre humanitário e, então, qualquer um que duvida da base dessa ideia é acusado de insensibilidade”, afirma.

O historiador reforça que apontar problemas dos dados vindos de autoridades de Gaza não significa assumir como necessariamente corretos os que vêm do Exército de Israel.

“Não dá para saber com precisão [que dados são corretos]. Em conflitos em andamento, somos sempre obrigados a viver com pontos de interrogação. Mas é muito perigoso assumir que, porque só temos uma fonte, essa fonte é confiável”, diz. Algumas das críticas a seu estudo mencionam números supostamente exagerados, como o total de construções deixadas com armadilhas explosivas pelo Hamas.

O estudo dedica ao menos 3 dos 8 capítulos para tratar diretamente da qualidade da informação providenciada por autoridades de saúde ligadas ao Hamas, assim como dados sobre a entrada de ajuda humanitária no território.

“Quanto ao número de vítimas divulgadas pelo Ministério da Saúde de Gaza, achamos que está mais ou menos correto. Nossa discordância com a pasta não é tanto sobre o número, mas sobre a distribuição desses registros”, afirma Orbach, em referência, por exemplo, a correções nas proporções de mulheres e crianças mortas durante o conflito.

Além dos registros de mortes do ministério, são analisadas listas de feridos e de amputados, além de relatórios de organizações internacionais, como os dados de vacinação de pólio divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Cruzamos e fazemos justaposições de dados israelenses, palestinos e internacionais para tentar entender o que é verdade. Fazemos isso porque acreditamos que, antes de entrar no debate ético e jurídico, precisamos entender os fatos. Pessoas demais estão pulando esse estágio e moldando os fatos para que eles se acomodem a sua perspectiva ética”, diz.