SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois espelhos, um virado para o outro, criam inúmeros mundos em seus reflexos. Em um deles, estão as palavras “camuflagem” e “bumerangue”, enquanto no outro está “cilindro”. As letras, inicialmente espelhadas e invertidas, são devolvidas à sua forma e sentido original no espelho infinito.
Trata-se da obra “Camuflagem/ Cilindro/ Bumerangue”, feita em 1979 por Waltercio Caldas. Para o artista, o espelho é mais do que um objeto corriqueiro, banal -ele é dotado da habilidade de criar uma imagem que consegue ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa. Caldas tem uma robusta produção relacionada ao espelho, como ideia e objeto, feita ao longo de quase seis décadas.
Na mostra “Os Espelhos”, o artista exibe na galeria Raquel Arnaud, em São Paulo, alguns dos trabalhos que tratam do objeto. “Eles nos espelham, mas ao mesmo tempo nos dão a liberdade de saber que criam imagens que duvidam de si mesmas, da nossa realidade invertida”, diz Caldas, sobre o motivo do seu interesse pelo objeto.
O conjunto é variado, com 26 obras desde a década de 1960 até os dias atuais. “O que mais me interessa é essa quantidade de soluções encontradas para um problema que eu me coloco o tempo todo, mas que certamente eu não vou resolver nunca.” Por problema, Caldas se refere aos seus questionamentos em torno do item reflexivo.
Caldas lembra que o objeto nos acompanha desde o início da humanidade -seja no reflexo na água, em uma pedra polida ou no metal. Já foram usados não apenas para ver a si mesmo, mas também de forma esotérica, como nos rituais de adivinhação da Antiguidade. Na arte, estão presentes na produção de autorretratos.
A obra mais antiga da mostra é “Maquete VII – Estação de Trânsito”, de 1967, uma miniatura com um gramado verde e uma casa escura. Um espelho grande reflete ambos e, quando o espectador se aproxima para ver a imagem criada, ele observa também a si mesmo.
Quando criou “Maquete VII”, Caldas era um jovem que buscava conquistar espaço no mundo da arte. Naquela época, participou de sua primeira mostra, junto com outros artistas, alguns anos após ter iniciado seus estudos com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Nem todas as obras selecionadas por Caldas para a mostra têm espelhos. “Espelho à Noite” (2023), uma das mais recentes, é uma tela com diferentes matizes de verde-esmeralda e resina; outra delas é composta por duas pranchetas verdes, uma sobre a outra.
Em alguns trabalhos, o reflexo do espectador aparece deformado, como em “Espelho do Jazz”, de 2002, onde a imagem formada no vinil, cercado por arestas de aço que despontam do quadro, não tem os contornos definidos do espelho tradicional. Cada forma de pensar o objeto é distinta. Para o artista, “a dessemelhança é uma parte constitutiva da própria mostra”.
Alguns trabalhos, ainda, têm espelhos que o espectador não consegue acessar. É o caso de “Circunferência com Espelho a 30°”, de 1976, um grande arame circular com um espelho horizontal voltado para cima, refletindo o teto de pé-direito alto da galeria. Com a mudança de perspectiva, o visitante vê o mundo literalmente de cabeça para baixo.
“O que busco é criar uma tensão entre as coisas que conhecemos e as que não conhecemos”, diz Caldas sobre seu processo criativo. “A arte é a invenção de um aparecimento. Me parece que essa é a principal finalidade dela, fazer as coisas aparecerem para nós pela primeira vez.”
Os Espelhos
Quando: Até 11 de outubro. De ter. a sex., das 11h às 19h; sábado das 11h às 17h
Onde: Galeria Raquel Arnaud – r. Fidalga, 125, São Paulo
Preço: Grátis
Autoria: Waltercio Caldas