SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, disse que o Brasil mudou. A sentença, proferida em discurso no início da semana, lhe serviu como justificativa para trocar o PSDB, onde permaneceu por duas décadas, pelo PP, agora numa federação com o União Brasil. Riedel era o último tucano na liderança de um estado. Desde 2022, o PSDB perdeu, um a um, seus governadores eleitos: Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, e Raquel Lyra, de Pernambuco, já haviam migrado para o PSD.

É um quadro bem representativo da perda de relevância política do partido. Em quase quatro décadas de existência, a legenda viveu seu auge na presidência do tucano Fernando Henrique Cardoso e entrou em decadência, depois da derrota de Aécio Neves na disputa contra Dilma Rousseff (PT), em 2014. Uma série de fatores contribuiu para tanto: a ausência de identidade marcante, a falta de novos quadros, a Lava Jato, além das disputas internas e da ascensão do bolsonarismo como força antipetista.

“Quando apareceu um líder que falava com a alma profunda do eleitorado do PSDB, o voto foi para Bolsonaro”, afirma Aloysio Nunes, que compôs o ministério do governo FHC e exerceu três mandatos como deputado federal e um como senador até pedir, no ano passado, para ser desfiliado da sigla.

Ele afirma que os partidos de direita estão se “coagulando” e têm o desafio de escapar do bolsonarismo. “Existe uma facilitação, estamos vendo o final da vida política de Jair Bolsonaro (PL), que entrou como leão no Supremo Tribunal Federal (STF), mas saiu como cão sarnento e desdentado”, diz, lembrando o depoimento do ex-presidente, em junho, sobre a trama golpista.

No passado recente, Aloysio credita à Operação Lava Jato o aumento da impopularidade do PSDB. Ele próprio foi investigado pela Polícia Federal, suspeito de se envolver no esquema de corrupção da Odebrecht. Assim como aconteceu com outros então tucanos, como José Serra e o agora vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o processo foi arquivado. À época, o PSDB usava o discurso anticorrupção para fazer frente ao PT e acabou ficando sem retórica quando seus integrantes figuraram em delações.

Pouco a pouco, o eleitorado migrou para Bolsonaro, que despontava como candidato à presidência nas eleições de 2018. “Aí o estrago já estava feito”, afirma Aloysio. Professor de ciências políticas da FGV, Marco Antonio Teixeira conta que o bolsonarismo já se camuflava no tucanato, em especial por causa do discurso anticorrupção, uma prévia do sentimento antissistema. A transmissão do capital político do PSDB para Bolsonaro, afirma Teixeira, foi pavimentada por organizações da sociedade civil, como o MBL (Movimento Brasil Livre), que atuou pelo impeachment de Dilma, em 2016.

“O bolsonarismo corroeu a base política tucana”, afirma Teixeira, acrescentando que o PSDB não foi capaz de produzir novas lideranças e sucumbiu a disputas internas. Em 2018, por exemplo, João Doria conseguiu se eleger governador de São Paulo, apoiando Bolsonaro à presidência, numa estratégia conhecida como “BolsoDoria”.

Alckmin, naquele momento no PSDB e opositor de Bolsonaro na corrida eleitoral, considerou o movimento de Doria uma traição e resolveu apoiar Márcio França (PSB) ao governo paulista. “Doria foi o coveiro do PSDB”, diz Teixeira. “Ele criou uma grande confusão e saiu da vida pública. Não era um projeto do PSDB, era um projeto do Doria, que puxou o tapete do agora vice-presidente.”

O Partido da Social Democracia Brasileira foi fundado em 1988, em um contexto de redemocratização. Seus fundadores, entre eles o primeiro presidente da sigla, Franco Montoro, eram dissidentes do PMDB, que abrigava políticos mais conservadores.

No evento de lançamento do partido, Montoro discursou diante de uma réplica do tucano. Como ainda não havia sido definido o nome da legenda, a imprensa passou a chamá-la de “partido dos tucanos”, criando uma mascote antes mesmo da denominação. Não tardaria para que o partido tivesse expressão nacional. Em 1994, o tucano Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições presidenciais.

No primeiro mandato, FHC notabilizou-se por implementar o Plano Real, cujos efeitos já eram sentidos desde quando ainda era ministro da Fazenda, no governo Itamar Franco. Do mesmo modo, FHC fez uma série de reformas que enxugou o Estado brasileiro e privatizou estatais, como a Vale do Rio Doce.

Um dos escândalos que mais desgastaram sua imagem esteve ligado à emenda que o beneficiou, autorizando a sua reeleição. Em 1997, uma reportagem da Folha revelou que deputados do extinto PFL negociaram seus votos a favor da proposta por R$ 200 mil. Na época, a cúpula da Câmara impediu a instalação de uma CPI.

Finda a era FHC, o PSDB tornou-se sinônimo de oposição ao PT e construiu sua força eleitoral em Minas Gerais, estado que governou por quatro mandatos, e em São Paulo, onde chefiou o governo estadual por 28 anos até Rodrigo Garcia (PSDB) ficar de fora do segundo turno, em 2022. Professor da FespSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), Henrique Curi identifica um momento determinante para o ocaso do partido.

Em 2014, o PSDB entrou com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificar a lisura da eleição presidencial. Aécio perdera o pleito para Dilma por uma margem apertada -51% a 48%. “Contestar as urnas significou a abertura do partido à antipolítica e não mais se diferenciou da política baseada em radicalizações”, diz Curi. Aloysio Nunes, porém, tem uma versão diferente do ocorrido.

Ele afirma que viu Aécio ligar para Dilma e reconhecer a derrota. Diz também que o pedido no TSE era evitar que houvesse um sentimento de fraude, e não uma demanda por recontagem de votos. De toda forma, o episódio, na visão de Curi, aprofundou sua noção de que o partido nunca conseguiu construir uma identidade própria, além da oposição ao PT.

Os números, afinal, mostram que a decadência do PSDB se iniciou depois de 2014. Nas eleições passadas, o partido elegeu apenas 13 deputados federais e três senadores. Em 1998, conseguiu eleger 99 deputados federais e 16 senadores. A decadência do PSDB foi consumada com o episódio da cadeirada de José Luiz Datena, candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, em Pablo Marçal (PRTB), seu adversário, em um debate nas eleições de 2024.

Em junho deste ano, a convenção nacional do PSDB aprovou a fusão do partido com o Podemos. Dias depois, porém, as siglas desistiram do acordo por divergências sobre quem assumiria a presidência.

“O episódio da cadeirada mostrou como a sigla não conseguia mais controlar os valores de sua fundação”, diz Curi. “A fusão só poderia funcionar se não parecesse um ajuntamento cartorial.”