SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tantos dias se passaram e ainda não sabemos a quem se destinou o dedo médio do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes. Eram as oitavas de final da Copa do Brasil, e o jogo na NeoQuímica Arena, na zona leste da capital paulista, opunha Corinthians e Palmeiras, uma rivalidade que pode ser comparada àquela da política brasileira, agora cindida entre lulistas e bolsonaristas.

Poucas horas antes, o magistrado havia sido punido com a Lei Magnitsky, uma sanção do governo americano para retaliar o Poder Judiciário brasileiro. O gesto obsceno de Moraes não causou, porém, menos perplexidade por isso. Ao contrário, o episódio se somou a outros momentos em que o ministro mostrou estar estressado com os ataques dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).

Nos últimos anos, Moraes esteve à frente da maioria dos processos envolvendo o ex-presidente, inclusive a trama golpista, cujo julgamento se inicia na primeira semana de setembro. E foi Moraes quem decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro por descumprimento de medidas cautelares. Em paralelo, especialistas afirmam que o comportamento do ministro está ligado à personalização do Judiciário, quando as autoridades aparecem mais do que as instituições, em um momento de exposição do STF no debate político.

De início, o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, conta que as atitudes de Moraes podem ser entendidas como uma reação à pressão que tem sofrido. A Lei Magnitsky prevê sanções econômicas para acusados de corrupção e violação de direitos humanos. No caso do ministro, foi um artifício encontrado pela Casa Branca para punir uma suposta perseguição a Bolsonaro. O presidente americano Donald Trump anunciou, inclusive, uma taxa de 50% aos produtos brasileiros.

Como parte das sanções, o ministro ainda teve um cartão de bandeira americana bloqueado no Brasil. “Moraes deveria mesmo estar afetado com tudo o que está acontecendo, porque tudo isso deve ser muito exaustivo e qualquer um se sentiria nervoso”, afirma Dunker. “Se ele fosse mais autocontrolado, aí sim seria um problema. Eu não vejo nenhuma guinada patológica. Moraes é um sujeito comum, feito de carne e osso, não de aço.”

Ao que parece, o ministro tenta aliviar a pressão em atividades fora dos tribunais. Em uma entrevista à revista americana The New Yorker, disse praticar muay thai, o que, segundo Dunker, é uma forma de liberar a agressividade, recomendada por profissionais da saúde para quem é alvo de estresse.

Em geral, esses pacientes não podem dar vazão às emoções no dia a dia. As atitudes desarrazoadas do magistrado não se limitam, porém, ao seu dedo médio. Embora não seja uma novidade no STF, Moraes não poupa os leitores de pontos de exclamação nem de letras maiúsculas.

Quanto à estilística, os documentos expedidos pelo ministro podem deixar uma impressão de impaciência. Ao determinar a prisão domiciliar de Bolsonaro, voltou a empregar o bordão: “A JUSTIÇA É CEGA, MAS NÃO É TOLA.” Em outra frente, acumulou episódios em que sua postura intransigente suscitou desaprovações nos meios jurídico e político.

No processo da trama golpista, a acareação entre o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e o coronel da reserva Marcelo Câmara, que ocorreu na semana passada, terminou em bate-boca.

Moraes pediu que um segurança averiguasse se o advogado Marcus Vinícius de Camargo Figueiredo, do general da reserva Mário Fernandes, estava gravando a sessão, o que é proibido. O desentendimento começou porque o ministro rejeitou uma questão de ordem do defensor, que disse respeitar o Judiciário. O magistrado rebateu pedindo respeito também.

Três meses atrás, Moraes ameaçou prender Aldo Rebelo, ex-ministro dos governos Dilma e Lula, por desacato. Rebelo prestava depoimento ao STF como testemunha da trama golpista, quando ponderou a necessidade de se analisar as falas dos envolvidos além do sentido literal, considerando a força de expressão.

Moraes também deu uma bronca no advogado Eumar Novacki, do ex-ministro de Bolsonaro Anderson Torres, dizendo que não o permitiria transformar o tribunal num circo. Na oitiva, Novacki fez a mesma pergunta quatro vezes ao general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, como uma estratégia retórica.

O cientista político Henrique Curi, da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), repudia o comportamento do ministro do STF. Em sua visão, a pressão existe porque há personalismo no Judiciário, quando algumas figuras concentram capital político e simbólico, mantendo certa independência das instituições. “Moraes transita entre um guardião constitucional e um ator político de alta voltagem”, diz Curi.

A personalização acontece, entre outros fatores, com o excesso de decisões monocráticas, a exposição midiática e a falta de coordenação interna no STF. Não à toa, Moraes causou surpresa ao decidir pela prisão domiciliar do ex-presidente. Nessas situações, a imagem do magistrado costuma ficar à frente da própria instituição. O ministro ganhou até o apelido de Xandão.

Mesmo pressionado, Moraes determinou, na quarta-feira passada, a imposição de medidas cautelares ao pastor Silas Malafaia. Em seu entendimento, o líder religioso atuou de forma coordenada com Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), para atrapalhar o andamento da ação penal sobre a trama golpista.

Professora de direito constitucional da PUC-SP, Gabriela Zancaner diz que o comportamento de Moraes não pode ser dissociado de outro problema na corte: a politização. Ela afirma que, se hoje os ministros são alvos diretos, isso se deve ao modo como o STF teve de intervir, nos últimos tempos, em assuntos políticos, dada a inação do Congresso diante de polêmicas.

“O STF está em uma situação peculiar. A forma de escrita do Moraes é uma questão de estilo, mas isso ser debatido mostra como os ministros deixaram de ser meros funcionários públicos e agora são vistos como heróis ou vilões”, diz Zancaner.

Para evitar a personalização e a politização do Judiciário, a especialista afirma que o STF deveria adotar mais decisões em colegiado, deixando a opção monocrática em segundo plano.

“É bastante reprovável que um ministro faça um gesto obsceno, mas é compreensível. Moraes está absorvendo toda a pressão do contexto político do país.” Talvez por isso o dedo médio de Moraes tenha ofuscado até a classificação do Corinthians para as quartas de final da Copa do Brasil.