BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As derrotas aplicadas pelo Congresso ao governo Lula (PT) na última semana levaram a uma caça às bruxas na equipe de articulação política do Palácio do Planalto e lançaram dúvidas sobre a liderança dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

O domínio da oposição sobre a CPI do INSS e a aprovação do voto impresso em uma comissão do Senado, na quarta-feira (20), reforçaram um histórico de reveses de Lula, com o apoio de sua própria base. Foram resultados amargos o suficiente para desgastar os negociadores do governo no Congresso.

Desta vez, porém, houve um ingrediente adicional: o tropeço foi dividido com Motta e Alcolumbre, que vinham atuando em parceria com o governo e prometiam a ele a criação de um ambiente controlado na CPI.

A aprovação da volta do voto impresso e, em especial, a reviravolta que deu à oposição o controle da CPI resultaram no questionamento da liderança de Alcolumbre e Motta e em uma caça às bruxas na base governista, que passou a buscar culpados entre traidores, omissos e relapsos.

Os episódios foram motivados, segundo congressistas, por dois elementos considerados antigos. O primeiro seria o atraso no cronograma da liberação de verbas para as bilionárias emendas parlamentares. O segundo, a suposta reação frouxa de Motta e Alcolumbre ao que parlamentares consideram como ofensiva do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre prerrogativas legislativas e sobre as emendas, tanto no campo da regulamentação como no da investigação.

Assim como em episódios anteriores, as derrotas do governo foram puxadas por integrantes de partidos de centro e de direita que comandam ministérios na gestão Lula.

Na quarta-feira, a articulação foi liderada por União Brasil e PP, que, a despeito de possuírem quatro pastas na Esplanada, fizeram mais um ato de montagem de sua federação em tom claramente oposicionista.

A reviravolta na CPI foi articulada, entre outros, pelos presidentes do União Brasil, Antonio Rueda, e do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

Após o revés, Lula se reuniu com Motta no Palácio da Alvorada, e a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), responsável pela articulação política, e convocou líderes aliados para uma reunião de última hora.

Governistas foram a público admitir a falha. “Apesar do resultado que a oposição conseguiu, por erros na mobilização de nossa base, vamos continuar trabalhando, corrigindo os erros, para que a CPI não seja instrumentalizada para atender a interesses políticos”, disse a ministra à Folha.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, assumiu a culpa. Ele disse que a articulação palaciana estava de “salto alto” e sofreu um “apagão”.

“Houve alguma subestimação. A base do governo foi surpreendida porque tinha que ter mobilizado mais. Isso é um fato. Teve problema”, disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).

Lula e o Congresso haviam encerrado o semestre legislativo em conflito e com uma lista de pendências. O acerto de contas, porém, havia sido adiado com o motim bolsonarista que ocupou os plenários da Câmara e Senado em protesto contra a prisão domiciliar do ex-presidente.

No retorno do Congresso, Motta já havia sofrido duas derrotas claras, que abalaram a confiança em sua capacidade de manter controle sobre os demais colegas: a dificuldade em retomar a cadeira de presidente durante o protesto bolsonarista e a falta de apoio para punir amotinados.

Para a CPI, Motta havia escolhido o correligionário Ricardo Ayres (Republicanos-TO) como relator, mas ele acabou trocado por Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) após a vitória da oposição.

Aliados, entretanto, minimizam o desgaste do presidente da Câmara. Na avaliação dessas pessoas, o erro partiu da articulação do governo Lula e, portanto, não caberia uma reação de Motta.

À noite, ao ser questionado se a reviravolta representava uma derrota para ele, Motta respondeu que não, porque não é o líder do governo. “Acho que foi uma falha mesmo da articulação política do governo com os partidos”, respondeu.

Um líder do centrão, entretanto, diz que o episódio mostra mais uma vez que Motta tem sua autoridade questionada entre os parlamentares e não está com o comando do plenário da Casa. Nas palavras desse aliado do parlamentar, Motta perdeu credibilidade entre os colegas e também com o governo federal.

Um parlamentar governista, por sua vez, reconhece falhas na articulação do Executivo nesse episódio, mas diz que é preciso usar o momento para se unir mais a Motta e fortalecê-lo internamente, tentando isolar o bolsonarismo.

Já Alcolumbre, que comanda pela segunda vez o Senado, tinha obtido melhor sorte no caso do motim bolsonarista, quando recuperou a cadeira do plenário sem as agruras públicas que o colega da Câmara enfrentou, mas nesta quarta também teve um raro momento de fragilidade.

Parlamentares afirmam que o governo se distanciou das articulações em torno da CPI, confiando que ninguém desafiaria a autoridade de Alcolumbre. O presidente do Senado afirmou que Omar Aziz (PSD-AM) seria indicado para o cargo em junho. Depois disso, o próprio Aziz passou a discutir a relatoria com o presidente da Câmara e falar como presidente, mesmo antes de eleito.

O presidente do Senado é visto hoje pelos bolsonaristas como um dos principais obstáculos para aprovação de uma anistia a Jair Bolsonaro e aos golpistas do 8 de Janeiro. Alcolumbre não só se colocou contra o projeto de lei, mas também articulou um texto alternativo, que não beneficiaria o ex-presidente.

Questionado sobre o episódio, Alcolumbre se limitou a dizer: “Minha autoridade [desrespeitada]? Eu não sou eleitor da CPI.”

Após a ocupação do plenário, o presidente do Senado também afirmou taxativamente que não pretende colocar em votação um impeachment contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, outra bandeira dos aliados do ex-presidente.