SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Uma peça de abertura curta, seguida por um concerto com um solista convidado que, caso muito aplaudido, pode oferecer um número extra antes do intervalo. Depois da pausa, uma obra em vários movimentos, como uma sinfonia, e a orquestra mostra ao que veio: com poucas variações, essa é a estrutura adotada para a maioria dos concertos sinfônicos.
Claro que não há nenhum problema com esse modelo, capaz de se renovar tanto pela escolha das obras como por decisões interpretativas. O programa “The Silence of Sound”, apresentado nesta semana pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, entretanto, inova ao recusar completamente o formato tradicional.
Concebido pela regente Alondra de la Parra e pela palhaça Gabriela Munõz, a Chula, ambas mexicanas, o espetáculo sem intervalo conecta música orquestral com teatro, palhaçaria, multimídia e iluminação. Não há obras inteiras, apenas fragmentos escolhidos para contar uma história sem palavras. Som, imagem, expressão facial e movimento corporal se entrelaçam. A arte ausente é a do texto.
Conduzida cenicamente por Chula, a trama parte da música e retorna sempre a ela. Primeiro, com jogos infantis ao som de Debussy, Bartók e Rimsky-Korsakov, para fechar o primeiro arco com o império do elemento água, agora ao som das composições do jovem compositor australiano Gordon Hamilton.
Depois, entram em cena a juventude e seus dilemas. A dança ao som de Weber, a paixão representada pela melodia de “Meditação”, da ópera “Thais” e, por fim, aparece o desejo com “Concerto para Violino” de Jean Sibelius. Melodia versus ritmo, grave versus agudo, expressão versus virtuosismo, onde cello e violino mexem de modo diverso com a subjetividade complexa da personagem feminina.
A transição para o final acontece com Prokofiev –trechos da “Sinfonia nº1” e o segundo movimento da “Sinfonia nº5”–, entremeados pelo solo da palhaça. A orquestra para de tocar e ela interage com o público, usando a voz, mas sem pronunciar uma única palavra e sem perder a conexão com a música. Chula brinca, faz piada, diverte.
Num dos momentos mais fortes da apresentação, o mundo dos sons se sobrepõe à regência. Com fragmento de “Las Antesalas del Sueño”, a “Sinfonia nº2” do compositor mexicano Federico Ibarra, a maestra não tem mais comando, e se desespera enquanto os músicos se acertam sem ela, seguindo um discreto metrônomo.
A solução, não totalmente inesperada, consiste na incorporação da “clown” pela regente que, por fim, se torna senhora de si e da orquetsra para interpretar, com liberdade total, uma tocante versão do “Andante” da “Sinfonia nº3” de Brahms.
Alondra de la Parra é conhecida do público frequentador da Sala São Paulo, e esta é a sua sétima colaboração com a Osesp desde 2009. Em 2011, ela participou de uma mesa redonda no auditório da Folha. Aos 43 anos, Parra alia sua personalidade inquieta a uma vasta experiência musical.
No escuro e com um posicionamento alternativo para permitir o caminhar da palhaça, a Osesp tocou magnificamente.
Pode-se dizer que, colocado assim no meio da temporada, “The Silence of Sound” fica um pouco desamarrado, um tanto isolado na programação, o que não aconteceria se fosse inserido na agenda de um festival (como o de Campos do Jordão, por exemplo).
Ainda assim é preciso destacar a consistência da proposta e enaltecer a concepção das duas mulheres. A palhaça Munõz é extraordinariamente musical, e sua condução cênico-expressiva torna a escuta dos fragmentos muito mais atenta e consciente. Sua arte potencializa a apreciação sonora.
Nessa poética totalmente feminina, plena de nuances e sem simplificações, o “Andante” de Brahms deixa de ser algo dado, uma abstração “a priori”, para se tornar a consequência de uma experiência vivida.
The Silence of Sound
Quando: sex. (22) às 20h; sáb (23) às 16h30; dom. (24) às 18h
Onde: Sala São Paulo – Pça. Júlio Prestes, 16
Preço: R$ 42 a R$ 295
Avaliação: *Excelente*