SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No seu primeiro álbum, “Territórios”, de 2023, a violonista Gabriele Leite interpreta o britânico William Walton e os brasileiros Edino Krieger, Sérgio Assad e Villa-Lobos. A seleção de compositores para a estreia de um músico clássico é de suma importância: as obras podem ser amarras ou asas para voos maiores –caso de Gabriele. Em seu disco, ela dá vazão a um violão audaz, que navega apuro técnico, vanguardismo e modernidade sempre com algo a dizer.

“Nesse primeiro disco eu tentei trazer meu ponto de vista enquanto mulher negra, retinta, que veio do interior de São Paulo, que está pesquisando e tentando entender como a banda toca, mas colocando muito de mim: é tirar um pouco a caixinha do músico erudito, que é muito rígida, porque eu penso mais na expressividade”, diz Leite, da casa dos pais, na cidade de Cerquilho.

Neste sábado (24), a violonista leva seu álbum a um novo patamar –ela estreia no Theatro Municipal junto a Orquestra Experimental de Repertório com o concerto “Narrativas Sonoras”. No programa, intervenções solo e acompanhada de obras de Walton e Villa-Lobos. “Villa-Lobos é uma figura central no Brasil, mas pouco se toca ele em concertos de violonistas clássicos, então é uma responsabilidade levar o trabalho dele para as salas de concerto”, diz a artista.

O début no Theatro Municipal de São Paulo é mais um passo de sucesso na carreira de sucesso da jovem artista. Laureada no prêmio Segovia e Rose Augustine pela Manhattan School of Music, onde fez mestrado, e doutoranda na Stoony Brook University, Gabriele tem trilhado uma vereda particular no violão clássico: rigorosa, mas sem almejar uma obra hermética.

“O violão tem essa característica de estar nos ambientes de maneiras distintas, então é legal trazer para as pessoas um violão menos escutado, menos apreciado, mas também trazendo coisas em que o público possa se reconhecer”, diz a artista, que já tocou na Sala São Paulo e abriu shows de Hermeto Pascoal.

“É muito interessante notar quanto o violão clássico e o violão popular caminham juntos no Brasil, onde a gente tem muito essa coisa do ritmo, de se expressar pelo ritmo”, afirma Leite. A jovem faz parte de uma geração de novos músicos que arejam o violão brasileiro sem deixar de manter sua tradição na síntese entre popular e clássico. São nomes como Octávio Deluchi, João Camarero e Eduardo Guterres –com quem Gabriele também fez apresentações em duo tocando a obra de Sérgio Assad.

“Eu encontrei com o Sérgio quando tinha 15 anos, numa masterclass do irmão dele, o Odair Assad”, lembra a violonista. “Ele me disse o seguinte: ‘Você tem uma personalidade tocando violão: a gente fala para você fazer algo e você faz, mas traz algo novo, algo diferente de textura, de musicalidade que a gente não espera.'”

Foi também aos 15 anos que Leite, então no renomado conservatório de Tatuí, teve aula com Jair Teodoro de Paula, seu primeiro professor de música negro. “Ele me fez acreditar que eu poderia ir longe”, diz Leite. “Existe um estigma de que o músico preto vai estar na música popular, e já ouvi falas infelizes que tentavam me colocar numa caixinha, mas ver um dos nossos dentro de certas áreas é algo que nos dá força de acreditar.”

O concerto no Theatro Municipal também marca o início do segundo disco de Leite. A artista entra em estúdio em algumas semanas para interpretar obras de compositoras como Chiquinha Gonzaga e a cubana Tânia Leon. O álbum deve sair em novembro.

“Há muitas compositoras que bebem da fonte do popular e que trazem um pouco desses ritmos”, diz Leite. “A música clássica contemporânea pode ser um objeto estranho, e ele vai estar no disco, mas vai ter esse afeto também, essa coisa que você ouve e fala ‘eu conheço isso.”

Gabriele Leite e Orquestra Experimental de Repertório

Quando: Dom. (24), às 11h

Onde: Theatro Municipal – pça. Ramos de Azevedo, s/n, São Paulo

Preço: R$ 11 a R$ 35

Link: https://www.theatromunicipal.org.br/