BARRETOS, SP (FOLHAPRESS) – A participação direta de políticos, incluindo presidentes da República, fez com que os rodeios crescessem no país nos últimos 25 anos. Decisões tomadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL) contribuíram, de alguma forma, para sustentar a prática da modalidade, como a redução de ações na Justiça contra as montarias.

Hoje os peões são reconhecidos como profissionais, o rodeio ganhou uma capital “oficial” e as regras para a realização de eventos do gênero foram flexibilizadas. Mas nem sempre foi assim.

Surgidos em 1956 com a Festa do Peão de Barretos, que neste ano realiza sua 70ª edição, os rodeios viveram por décadas sem serem incomodados, mas mudanças na sociedade fizeram com que a prática passasse a ser gradativamente questionada, especialmente em relação ao bem-estar animal.

Isso se acentuou no início dos anos 2000 e coincidiu com um período em que os rodeios tiveram forte apoio dos governos, independentemente do espectro político.

Primeiro foi com Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que em 2001 sancionou lei que transformou o peão de rodeio em atleta, e o rodeio, consequentemente, em esporte.

Depois, Dilma Rousseff (PT), que governou o país entre 2011 e 2016, sancionou lei que deu a Barretos o título de “capital nacional do rodeio”, o que na prática sempre foi.

Mas foi com Bolsonaro, em 2019, que as festas de peão tiveram o que consideram o principal ganho, com um decreto assinado dentro do estádio de rodeios de Barretos, que na prática flexibilizava a modalidade e dificultava a ação de entidades de proteção animal.

Presidente de Os Independentes, Jerônimo Luiz Muzetti afirmou que a associação é imparcial em relação à política partidária e que “é feliz com aquele que nos trata bem”.

“A gente gosta de quem trata bem, quem mais foi assim, mais ligado com a gente foi o Bolsonaro, que tem toda uma cara do sertanejo, agro, foi muito bem visto aqui, e isso para nós foi bom. Para nós é muito bom ter a visita de um governador ou a visita de um presidente, um ex-presidente”, disse.

Barretos sempre atraiu políticos, com ou sem cargos, em sua trajetória, mas a cada quatro anos, quando acontecem as eleições para presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais, a festa se transforma em destino de candidatos.

A história que levou à transformação do peão em atleta teve como prólogo um episódio ocorrido justamente na campanha presidencial de 1994. Naquele ano, FHC protagonizou uma cena que gerou controvérsias dentro da organização da Festa do Peão.

Em 27 de agosto daquele ano, quando fazia a campanha que o levaria ao seu primeiro mandato, FHC fez uma aparição no estádio acompanhada por efeitos de luz e ao som da música que a TV Globo utilizava nos jogos da seleção brasileira.

Apresentado pelo locutor Asa Branca (1962-2020), FHC foi saudado como “futuro presidente do Brasil” e discursou por dois minutos. A organização da festa afirmou que não sabia sobre a ida do então candidato e que o locutor traiu a confiança ao fazer o que fez.

“Se eu for punido, será com prazer porque o FHC merece”, disse Asa Branca à época, antes de saber que ficaria fora da locução da segunda edição do Barretos International Rodeo.

Sete anos depois, já no penúltimo ano de seu segundo mandato, o então presidente sancionou projeto de lei que transformou o peão de rodeio em atleta, com garantia de seguro de saúde e previdência social e, em julho do ano seguinte, assinou lei que regulamentou os rodeios e estabeleceu normas sanitárias para a proteção dos animais.

A cerimônia ocorreu no jardim do Palácio da Alvorada, com direito a música sertaneja, catira e muitos chapéus. FHC foi convidado para retornar ao rodeio que aconteceria no mês seguinte, e disse que teve medo de ser vaiado quando entrou na arena em 1994.

A lei assinada por FHC exigia a presença de um veterinário responsável pelas condições de saúde e acomodação dos animais nos rodeios e que o sedém (cinta presa à barriga do touro) deveria ser feito de tecido e protegido com algodão. Também vetou o uso de esporas pontiagudas.

Coube à gestão Dilma (2011-2016), um mês após a festa de Barretos ter sido marcada pela polêmica morte de um bezerro, em 2011, sancionar lei que deu à cidade o título de “capital nacional do rodeio”.

A sanção de Dilma, que gerou críticas de entidades de defesa dos animais, ocorreu dois anos após projeto de lei apresentado pela então deputada federal Luciana Costa, que é de Barretos, ter sido aprovado pelo Congresso.

A organização da festa à época negou a existência de maus-tratos e afirmou que o título foi o reconhecimento do trabalho feito em Barretos.

No primeiro ano da gestão Bolsonaro (2019-2022), um decreto flexibilizou a legislação sobre rodeios e vaquejadas em todo o país e, na prática, dificultou ações judiciais de entidades de proteção animal contra as festas.

Ele definiu que seria competência do Ministério da Agricultura avaliar os protocolos de bem-estar animal elaborados por entidades promotoras desses eventos e, com a mudança, também passou a ser possível a realização de provas não disputadas em alguns lugares.

Associações que fazem festas do gênero viram a medida como positiva por limitar, mas não eliminar, ações judiciais contra a realização dos eventos.

Naquele mesmo ano, e então presidente sancionou projeto que criou o Dia Nacional do Rodeio, celebrado em 4 de outubro, data em que se comemora o Dia de São Francisco de Assis, padroeiro dos animais. A medida foi considerada uma afronta por associações de proteção.

Bolsonaro, mais assíduo ex-presidente na festa e que esteve em todas as edições desde 2017, cumpre prisão domiciliar desde o início do mês e não estará em Barretos neste ano, mas aliados políticos são aguardados, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).

Os três são membros honorários de Os Independentes, e Bolsonaro é o único ex-presidente a integrar a lista, que também tem nomes como o do petista Alexandre Padilha, ministro da Saúde, que esteve em Barretos na última quinta-feira (21).

Muzetti afirmou que teve oportunidades de convidar o presidente Lula (PT) em seus dois primeiros mandatos e também o ex-presidente Fernando Collor, mas ambos não estiveram na festa.

ESTRUTURA NOS ANOS 80

Um outro presidente, José Sarney(1985-90), também contribuiu para Barretos ter a força que tem no universo sertanejo, mas fora da arena, ao liberar recursos para obras no Parque do Peão e também para reformar a pista do aeroporto da cidade.

“Ele foi importante na construção do estádio, através do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, o ministro era o Roberto Cardoso Alves. Ajudou muito Barretos”, disse Mussa Calil Neto, atual vice-prefeito de Barretos e ex-presidente da associação quando houve a mudança para o Parque do Peão, em 1985.