O Brasil reciclou 97,3% das latas de alumínio para bebidas em 2024. O montante é equivalente a 33,9 bilhões de unidades ou 417,7 mil toneladas de material reaproveitado, segundo dados da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) e da Associação Brasileira da Lata de Alumínio (Abralatas), consolidados pela Recicla Latas. Com isso, o país celebra 16 anos consecutivos com índices superiores a 96%, consolidando-se como referência global em reciclagem de latas de alumínio e um modelo bem sucedido de economia circular.
O sucesso da reciclagem de latas e de produtos de alumínio em geral resulta da combinação de fatores econômicos, logísticos, sociais e regulatórios. Quando comparado com outros materiais, o alumínio tem alto valor de mercado e pode ser reciclado indefinidamente, com perda mínima de qualidade, consumindo até 95% menos energia que a produção a partir do metal primário. Esse diferencial econômico garante que a coleta seja financeiramente viável e atrativa para toda a cadeia, desde grandes operadores até cooperativas e catadores.
O baixo ciclo de vida (60 dias) e a logística eficiente também potencializam a reciclagem. A leveza do material contribui para sua fácil compactação e transporte de forma ágil para centros de coleta e, posteriormente, para as plantas recicladoras.

Para a ABAL, grande parte desse desempenho deve-se ao pioneirismo da indústria brasileira do alumínio, que, desde a década de 1990, vem investindo em rede própria de coleta e capacidade de reciclagem, criando infraestrutura para que fabricantes e envasadores cumpram seus compromissos de logística reversa previstos na PNRS, vigente desde 2010. Com o tempo, a colaboração do setor privado se integrou às políticas públicas e metas formais de logística reversa, fortalecendo-se por meio de parcerias estratégicas e engajamento social.
O impacto social e econômico da reciclagem é amplo e vai muito além do reaproveitamento do metal. A cadeia inclui fabricantes, recicladores, cooperativas e catadores. Aliás, o alto índice de reciclagem de latas só é possível graças ao trabalho dos catadores e das catadoras, que recolhem latinhas descartadas em vias públicas, eventos, lixões, feiras e condomínios. A latinha de alumínio é um dos materiais mais valorizados no mercado da reciclagem, com preços atrelados à cotação internacional do metal.
“Este resultado confirma o alumínio como aliado estratégico da economia circular e da descarbonização. O pioneirismo da indústria brasileira transformou resíduos em valor, garantindo competitividade, segurança de suprimento, ganhos ambientais e sociais, além de posicionar o Brasil como referência global em circularidade”, afirma Janaina Donas, presidente-executiva da ABAL.
Embora as latas representem um recorte do sucesso da economia circular, o desempenho da reciclagem de alumínio no Brasil abrange diversos produtos e fluxos de sucata. Em 2024, cerca de 1 milhão de toneladas de produtos de alumínio consumidos no Brasil – equivalente a 57% do total – veio de metal reciclado, quase o dobro da média global (28%). Esses números mostram que a reciclagem vai muito além das latas, reforçando o protagonismo da indústria nacional na economia circular e no abastecimento do mercado interno com material reciclado.
Liderança brasileira e impacto ambiental
Reconhecido mundialmente por seu desempenho, inclusão social e sustentabilidade econômica, o modelo brasileiro de reciclagem de latas hoje garantido por um Termo de Compromisso do setor garante a compra de 100% da sucata gerada. A estrutura conta com uma indústria recicladora presente em todas as regiões, diversos centros de coleta, 25 fábricas de latas em expansão e cooperativas de catadores integradas à todo esse modelo.

Além do alto valor da sucata, a eficiência logística do sistema garante o retorno da lata de alumínio às prateleiras novamente. Nos últimos 10 anos, o sistema evitou a emissão de mais de 18 milhões de toneladas de gases de efeito estufa e poupou a extração de 17 milhões de toneladas de bauxita.
“Esse índice não é só uma estatística, é um termômetro da capacidade do Brasil de gerar soluções sistêmicas e sustentáveis, com impacto climático positivo, geração de renda, integração logística e visão de longo prazo”, afirma Cátilo Cândido, presidente executivo da Abralatas.
Disputa global por sucata pode comprometer reciclagem de alumínio
Se por um lado o Brasil tem avançado no desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao aperfeiçoamento da gestão de resíduos, dos sistemas de logística reversa e na criação de instrumentos que incentivem a circularidade, aumentem o conteúdo reciclado de produtos (Programa Mover), promovam a rastreabilidade (Recicla Brasil) e fortaleçam a formalização da cadeia – por outro, os acontecimentos no cenário global ameaçam desestabilizar uma das maiores vantagens competitivas do país.
A guerra tarifária e a crescente disputa internacional por metal reciclado – impulsionada pela busca por produtos de menor intensidade de carbono – criam um ambiente de arbitragem comercial que beneficia apenas intermediários internacionais, que se aproveitam da especulação e não têm compromisso com a industrialização, geração de emprego, renda ou metas de descarbonização do Brasil.

“Esses agentes de arbitragem não investem em transformação industrial nem contribuem para o fortalecimento da cadeia nacional. Enquanto isso, a indústria brasileira, que construiu uma infraestrutura robusta para alimentar um ciclo virtuoso de circularidade, observa com preocupação a saída de um insumo estratégico, que volta ao país como produto importado de maior valor agregado, comprometendo competitividade, metas climáticas e o desenvolvimento local”, alerta Janaina Donas.
“O alumínio reciclado brasileiro é um insumo estratégico para a economia circular e a transição energética nacional. Se a indústria perder a capacidade de processá-lo localmente, todo o esforço de circularidade e geração de valor será transferido para outros países, em detrimento da indústria nacional, dos catadores e das metas climáticas do Brasil”, reforça Janaina Donas.
O cenário reforça a necessidade de políticas públicas e instrumentos que garantam rastreabilidade e valorização da sucata no mercado interno, permitindo que o Brasil continue a liderar a reciclagem de forma sustentável, gerando empregos, renda e reduzindo a pegada de carbono de sua produção industrial.
Cadeia do PET reciclado sofre desvalorização
Enquanto a reciclagem de latinhas avança, o mercado de reciclagem de PET vive desafios estruturais. Nos últimos 12 meses, a resina virgem acumulou uma valorização de cerca de 8%, já o PET reciclado de grau alimentício subiu 15%, pressionado especialmente pelo aumento expressivo no preço da sucata plástica de PET, que disparou 37% no período. O resultado foi uma perda de competitividade do reciclado em relação ao virgem, especialmente em aplicações de maior valor agregado, como embalagens alimentícias e de bebidas.
“A lógica do mercado precisa evoluir. Sustentabilidade não pode ser medida apenas pelo preço da tonelada de sucata. Investimos em eficiência, tecnologia e inclusão social porque acreditamos que isso garante competitividade no médio e longo prazo – e fortalece a cadeia de ponta a ponta”, afirma Irineu Bueno Barbosa Junior, CEO da Cirklo, empresa recicladora de PET no Brasil.

O aumento no custo da sucata, somado à queda na procura por parte das indústrias, vêm pressionando as margens dos recicladores e gerando desequilíbrios em toda a cadeia – desde catadores até os grandes processadores. Nesse cenário, modelos mais estruturados e profissionalizados conseguem resistir melhor e até influenciar positivamente o mercado como um todo.”
Os dados da Maxiquim trazem que a retração nas compras de resina reciclada é percebida em diversos setores, em parte pela alta competitividade da resina virgem e, também, pela desaceleração de investimentos ESG de algumas indústrias. A consequência imediata é a redução no valor pago pela sucata, afetando diretamente a remuneração de catadores e cooperativas – base fundamental da logística reversa no país.
Ainda assim, especialistas acreditam que o futuro do PET reciclado é promissor, desde que o setor consiga superar entraves como a falta de padronização, os gargalos logísticos e a ausência de regulação que gere previsibilidade. A adoção de políticas públicas – como a exigência de conteúdo reciclado em novas embalagens – e a ampliação de compras públicas e privadas de resinas recicladas são vistas como essenciais para fortalecer a cadeia.
Fonte: Ciclo Vivo