SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O inquérito que levou ao indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por suspeita de coação no processo sobre a trama golpista pode ser desmembrado e atingir figuras no entorno do ex-presidente, como a ex-primeira-dama Michelle.
O relatório final da Polícia Federal que levou ao indiciamento de Bolsonaro e seu filho foi encaminhado, na sexta-feira (15), ao STF (Supremo Tribunal Federal). Agora, a PGR (Procuradoria-Geral da República) decide se arquiva, pede novas investigações ou faz uma denúncia.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, a PGR tem autonomia para denunciar parte dos envolvidos ou todos eles, sem precisar se ater aos dois políticos atualmente indiciados. Ela também pode desmembrar a investigação, pedindo mais apuração em alguns casos.
Para a PF, há indícios suficientes de que Bolsonaro e Eduardo tentaram interferir na ação penal que investiga a trama golpista de 2022 e 2023 a partir da atuação do parlamentar no exterior.
Essa atuação era investigada desde maio a pedido da PGR. No inquérito, a instituição citou os crimes de coação, obstrução de Justiça, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e atentado à soberania.
Nos Estados Unidos, Eduardo divulgou em março que se afastaria do cargo para fazer naquele país uma ofensiva a favor de sanções contra autoridades brasileiras que investigam seu pai.
O ex-presidente está desde 4 de agosto em prisão domiciliar em razão de ter descumprido medida cautelar. Ele vai ser julgado a partir de 2 de setembro na ação penal que investiga a tentativa de golpe. Se condenado, pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a sua inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
Além dos indiciados nesta quarta (20), outras figuras no entorno do ex-presidente colaboraram com a tentativa de interferir na Justiça, segundo a PF.
Uma delas é o pastor Silas Malafaia, que é investigado no inquérito e foi alvo de uma operação de busca e apreensão também na quarta. Por determinação do STF, o líder religioso teve o celular apreendido e o passaporte cancelado. Ele não pode sair do país nem manter contato com Eduardo e Bolsonaro.
De acordo com a PF, o líder religioso “vem atuando de forma livre e consciente” na “definição das estratégias de coação”. Nas 170 páginas do relatório final do inquérito, a instituição junta mensagens entre Malafaia e Jair Bolsonaro a respeito de ações a serem tomadas a favor da pressão por uma anistia.
O ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo é outro investigado e citado como partícipe. Ele também é réu na ação penal que investiga a tentativa de golpe, processo no qual a Justiça teve dificuldade de intimá-lo pessoalmente em razão de sua moradia nos Estados Unidos.
Além deles, o relatório da PF aponta que Michelle e a esposa de Eduardo, Heloísa, teriam contribuído para o esquema ajudando a repassar dinheiro entre pai e filho.
O objetivo seria criar “artifícios para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros, com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior”.
Também é citada no relatório Fernanda Bolsonaro, esposa de outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo a PF, remete ao usuário de Fernanda a criação e última autoria de um pedido de asilo que Bolsonaro teria preparado para enviar ao presidente da Argentina, Javier Milei.
De acordo com Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, o indiciamento da PGR não vincula a atuação do Ministério Público, que pode denunciar apenas um indiciado ou todos os investigados no inquérito.
Da mesma forma, a PGR pode denunciar parte dos investigados agora e solicitar mais investigações envolvendo outras pessoas no entorno do ex-presidente, como Malafaia, explica Marcelo Crespo, que é professor e coordenador do curso de direito da ESPM.
A possibilidade de desmembramento da investigação também é citada por Ricardo Martins, advogado criminalista e professor de ciências criminais. Para ele, a atuação do pastor descrita no relatório poderia ensejar enquadramento no crime contra o Estado democrático de Direito.
Já Michelle e Heloísa Bolsonaro poderiam ser responsabilizadas criminalmente se ficar comprovado que colaboraram com lavagem de dinheiro e a tentativa de impedir o bloqueio judicial de bens dos parceiros, avalia Martins.
Para Crespo, a participação de Malafaia é citada de maneira robusta no processo e demonstra uma ligação umbilical entre ele e a família Bolsonaro.
Já o caso de Michelle e Heloísa, afirma o especialista, pode levar a uma denúncia envolvendo os mesmos crimes dos quais o ex-presidente é acusado. Para tanto, é necessário investigar o nível de dolo delas.
“No Código Penal, todos aqueles que de alguma forma competem para a prática de um crime respondem nas mesmas penas. [É o que pode acontecer com elas], a menos que fique absolutamente demonstrado que desconheciam a situação e foram feitas de joguetes”, afirma Crespo.
Já para Thiago Bottino, o relatório da PF não indica haver participação voluntária e consciente de Michelle e Heloísa na tentativa de obstruir a ação penal do golpe. Ele entende que a participação delas parece se resumir à transferência de dinheiro.
Por isso, o especialista considera que uma implicação jurídica para as esposas dos políticos só ocorreria caso fosse comprovado que elas tinham ciência da tentativa de coação envolvendo a ação penal do golpe. Nesse caso, elas poderiam responder pelos mesmos crimes que Eduardo e Jair.
A atuação de Fernanda Bolsonaro colaborando para o pedido de asilo também justificaria investigação sobre sua atuação, na interpretação de Marcelo Crespo. Ele entende, porém, que há menos elementos neste caso que possam justificar eventual responsabilização jurídica.