SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O megainvestidor Warren Buffett, de 94 anos, tornou-se uma espécie de lenda no glossário dos investimentos. Um simples olhar dele para uma empresa de capital aberto pode ser o suficiente para a cotação do papel disparar do dia para noite.
Esse “efeito Halo” não é de hoje, como pode se ver em “Os Primeiros Investimentos de Buffett”, livro de Brett Gardner que chega agora ao Brasil pela editora Alta Books.
A proposta de Gardner é examinar o que há por trás da aura do megainvestidor filantropo. O livro propõe uma viagem no tempo para uma de suas épocas mais profícuas, nos anos de 1950 e 1960. Para isso, o autor se debruçou sobre arquivos como jornais, livros e relatórios publicados na época.
“Tive sorte, pois as bibliotecas locais tinham extensos arquivos corporativos e outros documentos que me ajudaram a entender melhor a história por trás das empresas que eu queria estudar”, diz ele no livro.
Na década de 1950, o jovem Buffett, estudante da Universidade Columbia, em Nova York, tentava replicar os ensinamentos de seu mentor -o economista Benjamin Graham, autor de “O Investidor Inteligente”, espécie de Bíblia desse campo.
A veneração pela fórmula de avaliação de empresas criada por Graham era tamanha que Buffett se ofereceu para um estágio gratuito na Graham-Newman Corp., mas deu de cara com as portas fechadas. O empresário priorizava empregar judeus para combater a discriminação em Wall Street após a Segunda Guerra Mundial.
Foi depois de desempenhar um bom trabalho na Buffett-Falk, a corretora de seu pai, que o pupilo enfim recebeu a chance de trabalhar com o mestre em 1954.
No livro, Gardner analisa dez investimentos importantes que Buffett fez de 1950 a 1966, com um material rico que dá pistas sobre o megainvestidor que ele se tornaria sobretudo após a virada da Berkshire Hathaway, seu maior caso de sucesso, uma ex-companhia têxtil hoje avaliada em mais de US$ 1 trilhão.
Buffett acumulou sucessos e fracassos no período analisado por Gardner. Sua primeira fase, moldada pelos ensinamentos de Graham, foi marcada por investimentos em ações apelidadas de “bitucas de charuto”, empresas trepidantes cujo valor de mercado era inferior ao valor contábil de seus ativos.
Sempre que via uma oportunidade, o investidor tentava influenciar a gestão das empresas a fim de diminuir a diferença entre o preço da ação e seu valor. Não foram poucas as vezes em que viajou para compreender de perto a complexidade dos negócios que gostaria de investir.
Newsletter Tudo a Ler Receba no seu email uma seleção com lançamentos, clássicos e curiosidades literárias *** Depois disso, geralmente Buffett se desfazia dos papéis. “Se você comprar uma ação a um preço suficientemente baixo, geralmente haverá algum contratempo no negócio, o que lhe dará a chance de se desfazer dela com um lucro decente”, escreveu Buffett sobre o método numa carta para investidores em 1989.
Os primeiros anos estudando empresas ruins ajudaram Buffett a moldar sua carreira posterior, na qual se concentrou em negócios melhores, com altos retornos sobre o capital.
Na segunda parte do livro, Gardner volta seu olhar para investimentos mais arrojados, feitos na década de 1960 em parceria com Charlie Munger e Philip Fisher.
Nessa fase, Buffett foi sagaz ao enxergar oportunidades onde muitos viam apenas problemas, como em um caso de arbitragem envolvendo uma intervenção na BC Power pelo governo da província canadense da Colúmbia Britânica. Quando as ações se desvalorizaram, Buffett abocanhou 11,2% da companhia e aguardou o desfecho do processo.
Um dos investimentos mais simbólicos de Buffett foi na American Express, entre 1963 e 1964. A companhia, hoje gigante no setor de pagamentos, passava por descrédito do mercado após a descoberta de uma fraude conhecida como “escândalo do óleo de salada” em uma subsidiária.
Buffett, na época com 33 anos, esperou a poeira do escândalo baixar para ampliar posição. Sugeriu então ao CEO Howard Clark um plano de comunicação aos investidores mais voltado para os números positivos em outras vertentes da companhia.
Outra característica curiosa dos investimentos de Buffett é que, em algumas ocasiões, ele fazia um papel típico de espiões para tentar suprir a ausência de informações sobre um negócio.
Em 1965, viajou a um pátio ferroviário em Kansas para contar vagões-tanque da Studebaker. A ideia era estimar a demanda por aditivo para óleo de motor STP, o segmento que descobriu ser o mais lucrativo na companhia, para determinar se o investimento valeria a pena.
Em uma das anedotas mais fascinantes do livro, Buffett resolve comprar 5% dos papéis da Walt Disney Pictures. Embora temesse a imprevisível indústria cinematográfica e a gestão centralizadora de seu fundador, Walt Disney, o megainvestidor, no embalo do sucesso de Mary Poppins, fez uma avaliação de que a relação preço-lucro da ação valeria a aposta.
Temeroso com o futuro da empresa após a morte de Disney, Buffett se desfez das ações. Ele as havia comprado quando a cotação estava em US$ 43 e as vendeu realizando um ganho de 55%.
Mas nem tudo que Buffett tocou virou ouro. Um exemplo foi o investimento na Hochschild Kohn & Co, uma rede de lojas de departamentos em Baltimore que sucumbiu diante da alocação errada de recursos, da queda do poder de consumo dos habitantes e do aumento da concorrência com lojas de desconto.
Buffett considerou a compra uma decisão tão ruim que a incluiu em sua carta de 1989 sob o título “erros dos primeiros 25 anos”.