BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – No dia seguinte aos piores ataques de grupos armados em uma década na Colômbia, o presidente do país, Gustavo Petro, começou seu discurso na cúpula de chefes de Estado da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), nesta sexta-feira (22), associando os atentados ao narcotráfico.
“Na Colômbia, o maior inimigo da Amazônia hoje, depois do aquecimento global, chama-se narcotráfico”, afirmou Petro. “Ontem tivemos um dia difícil na Colômbia, derivado basicamente da ação armada do narcotráfico, tema, na minha opinião, de discussão nesta reunião [de cúpula da OTCA].”
Na quinta (21), a Colômbia teve um dia marcado pela violência, com dois ataques que deixaram 19 mortos e dezenas de feridos. Por volta das 15h locais (17h de Brasília), um caminhão carregado de materiais explosivos explodiu em uma rua movimentada de Cali, a terceira cidade mais populosa do país. Segundo autoridades, a ação visou atingir os frequentadores de uma escola de aviação militar.
O ministro da Defesa, Pedro Sánchez, responsabilizou pela ação a maior dissidência das Farc, conhecida como Estado-Maior Central (EMC), sob o comando de Iván Mordisco. O grupo, porém, não havia reivindicado a autoria.
Antes, no noroeste do país, o EMBF (Estado Maior de Blocos e Frente), outra facção rebelde e uma dissidência do EMC, atacou um esquadrão da polícia que trabalhava em uma missão de erradicação de drogas. Armados com fuzis e um drone, os autores do ataque derrubaram um helicóptero e houve confrontos com policiais. O ataque ocorreu em Amalfi, ao norte de Medellín.
Em seu pronunciamento na cúpula, o presidente colombiano não mencionou possíveis motivações políticas para os atentados. Ele disse que o narcotráfico é um problema mundial, não somente regional, e associou o problema à possibilidade de colapso climático.
Petro citou máfias especializadas no transporte de ouro e minérios extraídos de forma ilegal da floresta, além de cocaína e de maconha -que, segundo ele, já deveria ter sido legalizada na América Latina.
O presidente ainda endereçou a questão amazônica e, consequentemente, a climática sob o ponto de vista militar. “Este tema não é só de consciência individual, de consciência comunitária, de consciência nacional. É um tema militar.”
O colombiano afirmou que a floresta de seu país é afetada pelo narcotráfico. E disse saber que, nos países vizinhos, máfias poderosas se empoderam do território amazônico. “São, cada vez mais, unidades de Exército armadas pelo narcotráfico mundial.”
Disse ainda que essas forças passam a controlar as populações locais e as levam a destruir a floresta.
“Está se utilizando o narcotráfico como desculpa para uma invasão militar”, disse Petro, possivelmente fazendo referência à decisão do governo de Donald Trump de enviar militares e navios para águas ao redor da América Latina em ação contra cartéis.
“Me parece que é absolutamente essencial que os ministérios de Defesa, ou como os chamem nos diversos países da América do Sul, da América Latina e do Caribe, os Exércitos, as inteligências policiais, possam coordenar a luta contra os inimigos da floresta amazônica, um dos quais é narcotráfico e a máfia.”
Petro, então, pediu para que o presidente Lula (PT) ajude a construir uma conferência de segurança da América do Sul, da América Latina e do Caribe.
O presidente colombiano, por fim, afirmou que o narcotráfico pode destruir Estados e reforçou, mais uma vez, o potencial destruidor de florestas do crime organizado. “A segurança da florestal é a segurança da humanidade.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, logo no início de seu discurso também endereçou a questão do narcotráfico e da segurança na Amazônia.
Lula afirmou que lançará o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, em 9 de setembro, em Manaus, no Amazonas, e convidou os presentes ao evento. Segundo o presidente brasileiro, a entidade visa o combate ao narcotráfico, garimpo ilegal e tráfico de armas na região.
As falas de Petro vão ao encontro do que tem se observado na Amazônia. Há um crescimento da presença de grandes facções criminosas brasileiras na floresta. Destacam-se o Comando Vermelho, surgido no Rio de Janeiro, e facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital).
Segundo relatório recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Mãe Crioula, a separação entre tráfico de drogas e crimes ambientais tem sido borrada nos últimos anos.
Nos últimos 11 anos, segundo o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve também um crescimento significativa na apreensão de cocaína e maconha -drogas citadas por Petro.
Em sua fala de encerramento, após um almoço a portas fechadas com os demais líderes presentes, Lula expressou solidariedade ao povo colombiano pelos ataques do dia anterior. “Nossas orações estão com as vítimas e seus familiares”, disse o presidente brasileiro.
Após os ataques de quinta, a Colômbia anunciou uma ofensiva militar contra os grupos responsáveis pelos atentados. Pedro Sánchez, o ministro da Defesa, percorreu nesta sexta-feira, a área próxima à escola de aviação militar onde na véspera morreram pelo menos seis civis e mais de 60 pessoas ficaram feridas pela explosão de um caminhão bomba.
No local do atentado havia outro caminhão carregado de explosivos que não explodiu, disse o prefeito de Cali.
Sem dar detalhes, Sánchez anunciou a Operação Sultana para proteger a região “do terrorismo e do crime”.
As autoridades atribuem os ataques a duas dissidências das Farc que rejeitaram o acordo de paz assinado em 2016 com a maior parte dessa guerrilha.
O acordo de paz com as FARC em 2016 trouxe uma relativa tranquilidade ao país após décadas de conflito armado que deixou um enorme número de mortos. Mas também deixou um vazio de poder nos territórios aproveitado por grupos guerrilheiros dissidentes, paramilitares e cartéis que lucram com o narcotráfico, a extorsão e a mineração ilegal.
Petro enfrenta críticas por episódios de violência no país e pela estratégia de privilegiar o diálogo com os grupos armados.