LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Em 2023, quando morava na Suíça, onde cursava um mestrado, o advogado pernambucano Hugo Silvestre recebeu um convite para trabalhar em Portugal. Ele obteve um visto de trabalho no consulado do país lusitano em Genebra. Mudou-se logo depois com a família -a mulher e um casal de filhos menores de idade- para Cascais, município da área metropolitana de Lisboa conhecido pelas praias ensolaradas e residências de alto padrão.
O programa da Aliança Democrática, coligação de centro-direita vitoriosa nas eleições de maio deste ano, previa mudanças na lei de imigração para priorizar a entrada de trabalhadores com visto consular, já com emprego definido e altamente qualificados.
Silvestre, 45, preenche os três requisitos. Isso não o impediu de enfrentar um calvário burocrático em busca da legalização em território português, que culminou com a deportação de sua esposa na quarta-feira (20).
“Foi uma situação humilhante. Só faltaram algemá-la. Meus filhos, de 6 e 8 anos, que nunca tinham ficado longe da mãe, não param de chorar”, diz Silvestre.
Especializado em direito tributário internacional, o advogado tem cursos de pós-graduação nas universidades americanas Georgetown e de Miami. Lá, trabalhou para o escritório Greenberg Traurig, um dos dez maiores dos Estados Unidos. No Brasil, após um MBA na Fundação Getulio Vargas, fez carreira no Veirano Advogados Associados, escritório de São Paulo com foco em direito empresarial.
Silvestre e família chegaram a Portugal em 2023, num momento em que a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima) deixou de dar conta dos pedidos de autorização de residência, o que gerou filas intermináveis.
Ele decidiu usar o caminho mais simples: pedir uma autorização de residência destinada a moradores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que podia ser obtida pela internet. Em 2024, o governo português passou a priorizar o reagrupamento familiar de casais com filhos de 5 a 10 anos. “Era o meu caso, então protocolei rapidamente um pedido”, diz.
Silvestre afirma que recebeu logo depois um convite para comparecer à sede da Aima em Figueira da Foz, cidade a 200 quilômetros ao norte de Lisboa. Devido ao tamanho da fila na capital, a agência vinha remanejando as entrevistas para sucursais regionais.
“Eu e minha mulher perdemos um dia de trabalho, as crianças perderam um dia de escola, e quando chegamos lá fomos informados que nosso nome não constava na lista, embora tivéssemos recebido um email de confirmação”, diz Silvestre. “Alegaram falha do sistema.”
O advogado decidiu entrar na Justiça em fevereiro deste ano e conseguiu uma liminar que obrigava a Aima a responder ao pedido de reagrupamento familiar em, no máximo, sete dias. A resposta nunca veio.
Como a família tinha uma viagem de férias ao Recife marcada para julho, Silvestre resolveu protocolar junto à Aima um pedido de viagem, anexando visto de trabalho, visto CPLP e autorizações judiciais.
Apesar do cuidado, na volta do Recife a família foi barrada no aeroporto. A mulher de Silvestre foi levada à sala de custódia. “Ela ficou incomunicável até oito da noite, horário em que não havia mais instituições jurídicas funcionando”, diz o advogado.
“Fizemos um pedido de reconsideração e ela dormiu no aeroporto. No dia seguinte, antes mesmo que chegasse a recusa, recebi no aplicativo da [companhia aérea] TAP uma chamada para o embarque de minha esposa, o que mostra que já haviam reservado a passagem de volta.”
Na quinta-feira (21) representantes do Itamaraty e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal fizeram uma reunião por zoom, em que “foram discutidos alguns temas de maior preocupação da comunidade brasileira em Portugal, em especial as alterações legislativas em curso na área migratória”.
O encontro foi preparatório para a sessão anual da Subcomissão de Assuntos Consulares e Circulação de Pessoas, com a participação de diplomatas do Brasil e de Portugal, que será realizada em setembro.
“As medidas e ações que foram tomadas neste caso não podem ser vistas apenas como um acaso”, diz Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, organização de apoio aos imigrantes brasileiros. “É simbólico acontecer neste momento. Não é impossível que seja algo intencional, destinado a transmitir uma mensagem.”
“Tenho certeza que o direito não prevaleceu neste episódio, e sim questões que têm a ver com o ambiente político atual”, afirma Silvestre. “Estamos aclimatados em Portugal, e nossos filhos estudam em escola portuguesa. Viemos para cá para agregar recursos, não para drenar.”