SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão central no combate à lavagem de dinheiro no país, decidiu encerrar um sistema eletrônico usado para gerenciar a informação de movimentações financeiras suspeitas usado há mais de 25 anos. Devido à alta demanda de trabalho, o órgão tem funcionado a base de reforços de outros setores do governo federal.

As informações são do presidente do Coaf, Ricardo Saadi, que assumiu o órgão há menos de dois meses. A avaliação dele é de que, além de trabalhar com uma ferramenta obsoleta, o órgão tem servidores insuficientes para o tamanho da carga de trabalho.

Em 2024, o Coaf recebeu 7,5 milhões de comunicações de movimentação financeira suspeita. Essas informações vêm de bancos, imobiliárias, empresas de apostas online e outros setores obrigados a manter o órgão informado.

O Coaf tem cerca de cem funcionários ao todo, e apenas nove pessoas para avaliar as comunicações e decidir se há indícios suficientes de crime para que elas sejam enviadas às polícias e ao Ministério Público. Ele lembrou que o órgão também tem outras atribuições, como a representação do Estado brasileiro em debates internacionais sobre crimes financeiros.

Apenas 3% das comunicações são repassadas às polícias e Ministérios Públicos por conterem indícios de crime, mas a análise e a extração de dados é feita manualmente.

No ano passado, o Coaf produziu 18 mil RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) a partir do trabalho de menos de dez servidores. Isso tudo é gerido pelo mesmo sistema desde 1999 — que já passou por atualizações, mas utiliza as mesmas bases tecnológicas.

Segundo Saadi, o sistema não é capaz de fazer filtragens de informações da maneira mais adequada. “O sistema que está hoje lá não vai ser aproveitado”, disse o presidente do Coaf nesta sexta-feira (22), durante um evento na Faculdade de Direito da USP.

Ele diz que há comunicações pendentes de análise há mais de quatro anos. É por isso que servidores da Secretaria Nacional de Segurança Pública devem reforçar os quadros do Coaf, segundo o presidente do órgão. Saadi diz que já recebeu garantias da secretaria de que o número de servidores dedicados a essa tarefa deve triplicar.

Mais importante que isso, ele afirma, é atualizar a tecnologia usada para analisar os dados. Hoje o Coaf não tem qualquer ferramenta de inteligência artificial para lidar com o grande volume de informações.

Uma ferramenta desse tipo está entre os planos do presidente. Ele estima que será necessário ao menos um ano para construir o novo sistema de dados.

Após uma carreira como delegado da Polícia Federal, Saadi foi indicado para o órgão a partir da avaliação de que a atividade de organizações criminosas cresceu no país. “Todos nós sabemos que o crime organizado está avançando, e muito. Está se infiltrando nas instituições”, ele disse.

A falta de servidores para tratar os dados no Coaf surpreendeu outros participantes do evento no Largo São Francisco, no centro de São Paulo.

O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio da Costa, classificou o déficit de pessoal como “imperdoável”. “Isso dá vergonha”, declarou o desembargador Nino Toldo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

O advogado Pierpaolo Bottini —coordenador do Grupo de Estudos em Lavagem de Dinheiro da faculdade, que sediou o evento— disse que o trabalho dos servidores do Coaf é “heróico”, e ressaltou que “continua sendo o órgão mais relevante no combate à lavagem de dinheiro”, apesar da precariedade.