BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Apenas 18 de 198 delegações já garantiram suas acomodações para a COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas) marcada para novembro, e 90% delas reclamam que os preços de hospedagem em Belém estão muito caros.

É o que mostram dois documentos da UNFCCC, o braço climático da ONU, obtidos pela Folha de S.Paulo: uma carta enviada pelo secretário-executivo do órgão, Simon Stiell, ao Brasil na última quinta-feira (21), e uma pesquisa feita com seus integrantes.

Mais cedo, o secretário-executivo da COP30, Valter Correia, afirmou que 47 países informaram ao governo Lula (PT) que tinham reservas garantidas em Belém.

A Folha de S.Paulo procurou a organização da conferência como a UNFCCC para comentar a divergência, mas não teve resposta até a publicação deste texto.

Na carta, Stiell pede que o governo federal pague os custos de hospedagem das nações, e sugere que não há disposição para que as Nações Unidas avaliem ampliar o auxílio dado às delegações, como é pleiteado por uma série de países —inclusive o Brasil.

“Com menos de três meses para a COP30, pode não ser mais viável reduzir a escala da COP30 de uma forma ponderada e construtiva como antes recomendado pelo secretariado [a direção da UNFCCC]. Os resultados da pesquisa reforçam que ações urgentes e praticas são necessárias para aliviar a situação”, diz o texto.

A pesquisa feita pela UNFCCC foi enviada para todos os seus 198 membros (entre países e grupos), e 186 responderam —nem todos a todas as perguntas. Do total, 147 são nações.

“A pesquisa mostra que cerca de 90% dos que responderam ainda não reservaram acomodações; destes, 88% apontaram os altos custos bem acima do que podem pagar como a barreira principal. Essa preocupação é compartilhada igualmente tanto por países desenvolvidos e em desenvolvimento”, diz o documento.

A carta ilustra como a crise de hospedagem na capital paraense contaminou o debate climático em todo o mundo.

“Os desafios logísticos e operacionais da COP30 se tornaram a narrativa global dominante nos principais mercados de mídia, ofuscando a construtiva liderança demonstrada nas seis cartas da presidência [da COP] e em outros esforços de comunicação que miram focar a atenção para os temas da conferência”, escreve Stiell.

Como revelou a Folha de S.Paulo, em julho dezenas de negociadores enviaram ao governo Lula e à UNFCCC uma carta pressionando para que a COP fosse ao menos parcialmente retirada de Belém —possibilidade negada pelo Brasil.

A principal reclamação já era o preço dos hotéis. O relatório da ONU não mostra como cada país respondeu aos questionamentos, mas mostra que essa queixa é generalizada e vem inclusive de nações ricas.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, os hotéis de Belém se recusaram a prestar explicações ao governo Lula sobre os valores praticados para o evento. Eles também se recusaram a assinar um acordo para controlar o aumento nas diárias cobradas.

Na carta, pela primeira vez a UNFCCC pede formalmente que o Brasil arque com os custos de hospedagem, sobretudo para países menos desenvolvidos.

Entre as “respeitosas recomendações” feitas por Stiell, está a “ampliação do subsídio de acomodação para os LCDs e os SIDS [respectivamente, os grupos de países menos desenvolvidos e insulares] para que o custo não ultrapasse os US$ 100 por noite”.

O secretário-executivo justifica a importância dessa medida justamente citando que o auxílio diário dado pela ONU a estes países, e que deve cobrir tanto acomodação como alimentação e transporte, é de US$ 144 (R$ 781) na cidade de Belém.

Este valor, porém, é considerado baixo e vem sendo criticados por alguns países africanos e em desenvolvimento, segundo pessoas que acompanham os debates, que pleiteiam um reajuste nesta ajuda.

Atualmente, as Nações Unidas custeiam uma diária para diplomatas de uma série de países durante eventos oficiais. Esse valor é de cerca de US$ 250 (R$ 1.355) em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mas menor para casos como Belém.

A carta foi enviada por Stiell na última quinta, véspera de uma reunião da UNFCCC que aconteceu nesta sexta-feira (22) justamente para tratar do tema.

No encontro, o Brasil respondeu a uma série dos questionamentos feitos no documento e não só refutou a possibilidade de arcar com este subsídio, mas também decidiu endossar o pleito para que a ONU amplie o subsídio.

“O governo brasileiro já está arcando com custos significativos para a realização da COP, por isso não há como subsidiar delegações de países, inclusive de países que são mais ricos que o Brasil. Do ponto de vista do governo brasileiro, não cabe aos brasileiros fazerem subsídios a outros países”, afirmou nesta sexta-feira (22) a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.

“Reafirmamos nosso apoio para que a ONU use como o auxílio que eles dão para os países mais pobres o mesmo valor que eles dão em outras cidades brasileiras. Se [a COP] fosse mudar a cidade-sede, eles iam ter que aumentar”, disse ela, após a reunião.

Segundo o secretário-extraordinário da COP30, Valter Correia, a ONU vem afirmando que mudar esse procedimento exige uma série de trâmites burocráticos, o que não seria viável no momento.

“Pedimos que fizessem uma reconsideração”, afirmou ele, para “centrar esforços juntamente com o país-sede, para achar soluções, sair um pouco da zona de conforto, dar uma contribuição maior”.

Na carta, Stiell aponta também que há falhas na comunicação por parte do Brasil, por exemplo ao não deixar clara a diferença entre a disponibilidade de quartos e camas ,a cidade de Belém, quando está debatendo as acomodações.

Desde 2023 a UNFCCC “tem constantemente apontado os riscos e desafios envolvidos em hospedar a COP30 em Belém e destacado a importância de endereçsar eles de forma efetiva e oportuna”.