BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Levar o debate climático para a periferia é um dos objetivos da COP das Baixadas, que chega à sua terceira edição, desta sexta (22) ao domingo (24) em Belém, cidade-sede da COP30, conferência climática da ONU que será realizada em novembro.
“Estamos mostrando que, mesmo que não esteja nos espaços oficiais do evento da ONU, a juventude periférica se movimenta para realizar a sua própria conferência”, afirma a educadora Suane Barreirinhas, uma das organizadoras.
O nome do evento faz referência às comunidades periféricas de Belém, geralmente localizadas em áreas de terreno baixo e alagadiço, próximas a corpos dágua, como rios, igarapés e canais.
A COP das Baixadas, com entrada gratuita, é realizada por 15 organizações periféricas. A primeira edição aconteceu em 2023, idealizada pelo ativista e produtor cultural Jean Ferreira da Silva após sua participação na COP27, no Egito, em 2022.
O evento conta com mesas de debate, oficinas, tribunais simbólicos e apresentações culturais, entre outras atividades, no Núcleo Curro Velho, espaço cultural na comunidade da Vila da Barca, na qual grande parte da população mora em casas de madeira sobre palafitas.
“A escolha do local é simbólica devido aos recentes casos de racismo ambiental neste território, vinculados às obras da COP30 na cidade”, diz Suane, em referência ao despejo de entulhos da obra de construção do parque linear da avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, e à construção de uma ETE (estação de tratamento de esgoto) para atender essa zona nobre da cidade.
“Nós nos mobilizamos e fechamos as ruas de acesso à comunidade e conseguimos que deixassem de jogar os resíduos aqui. Foi uma pequena vitória. Somos um espaço de resistência”, afirma a ativista.
Segundo Suane, após protestos, a empresa Águas do Pará, anunciou, no mês passado, obras de ampliação do acesso a água tratada e de coleta e tratamento de esgoto na comunidade. Haverá uma ETE própria para a Vila da Barca, conforme plano da concessionária.
A cicloativista Ruth Costa, também da organização do evento, reitera a importância de fazer as discussões na Vila da Barca, uma vez que “as populações periféricas são as mais impactadas pela crise climática”.
Para ela, muitas vezes, as pessoas que falam de crise climática “nunca sofreram seus efeitos, nunca passaram calor na vida, nunca tiveram um deslizamento de terra, nunca tomaram água imprópria para o consumo”. Ruth integra o coletivo ParáCiclo, de promoção da cultura da bicicleta.
As atividades da COP das Baixadas ocupam três salas, um anfiteatro e um palco no Núcleo Curro Velho, que fica em um prédio histórico do século 19, às margens da baía do Guajará, onde funcionou o primeiro matadouro público de Belém. A programação completa pode ser acessada no Instagram do evento.
Em Belém para visitar as obras da COP30, Marcele Oliveira, eleita campeã climática da juventude pela presidência do evento da ONU, avalia que “a COP das Baixadas é um exemplo de como a conferência do clima não se faz só no dia que começa e no dia que termina, mas no dia a dia, a partir de impulsionar a educação climática e fortalecer o debate da justiça ambiental em todos os lugares”.
“Por muito tempo, eu achei que o debate ambiental era papo de gente branca, abraçando árvore lá na zona sul do Rio de Janeiro, o que é um absurdo, porque quem historicamente cuida do território são as comunidades indígenas, negras, quilombolas”, opina.
TRIBUNAIS SIMBÓLICOS
Um dos destaques da COP das Baixadas são dois tribunais simbólicos: o das crianças e o da COP30. O formato é inspirado nas “desconferências” das edições anteriores, como a organização batizou as sessões em que representantes governamentais e lideranças comunitárias debatem.
Ao contrário de eventos oficiais, porém, o maior tempo de manifestação fica com as lideranças periféricas, enquanto os membros de governos falam mais brevemente, explica a historiadora e ativista socioambiental Ruth Ferreira, coidealizadora do evento.
Assim, no Tribunal das Crianças, a prioridade é de crianças e adolescentes. “Serão apresentados casos relacionados a desmontes urbanos e crimes ambientais que afetam diretamente a vida nas cidades e nos arredores. A ideia é que os jovens expressem como se sentem diante dessas situações e deem suas próprias respostas.”
Já o Tribunal da COP30 reunirá representantes da sociedade civil, lideranças comunitárias e organizações para avaliar e julgar simbolicamente crimes ambientais relacionados à preparação e aos efeitos da conferência. “Um dos exemplos que será analisado é o caso da Vila da Barca, entre outros episódios que refletem desafios ambientais e sociais no contexto local”, afirma a historiadora
YELLOW ZONES
As chamadas “yellow zones” (zonas amarelas), criadas pelo coletivo COP das Baixadas em bairros periféricos de Belém, em contraponto às oficiais “green zone” (zona verde) e “blue zone” (zona azul) da conferência da ONU, também estão presentes no evento. Há quatro delas em funcionamento.
No domingo, último dia do evento, ocorrerá o “Pedal Rumo à 3ª COP das Baixadas”, uma bicicletada saindo da “yellow zone” Espaço Cultural Ruth Costa, no bairro de Águas Lindas, às 7h, até o local a Vila da Barca, em um percurso de 20 km.
As outras três “yellow zones” em atividade são o centro cultural Gueto Hub e o Espaço Eco Amazônia, no Jurunas, e a Biblioteca Comunitária Barca Literária, na Vila da Barca. Esses espaços promovem atividades culturais, cursos e debates voltados para a conscientização ambiental.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.