FOLHAPRESS – A combinação atual de guerras impiedosas, ascensão da inteligência artificial decisões arbitrárias da maior potência mundial mostra que é oportuno o retorno da franquia de games “Metal Gear”, da Konami.

Conhecida pelas mecânicas de furtividade e roteiros malucos de espionagem que misturam eventos históricos com ficção científica, a série que alçou o game designer Hideo Kojima à fama ganha um título na próxima quinta-feira (28) que, embora esteja distante dos sonhos dos fãs mais enérgicos, volta a um cenário familiar que continua fascinante 20 anos depois.

“Metal Gear Solid Delta: Snake Eater” leva o título de PlayStation 2 lançado em 2004 às gerações atuais de consoles e de jogadores, que hoje podem reconhecer o agente da CIA Snake mais por participações especiais em “Fortnite” ou “Super Smash Bros.” do que por uma das séries mais emblemáticas dos videogames.

Não é por acaso. Desde que Kojima deixou o estúdio há quase dez anos em circunstâncias ainda pouco esclarecidas para fundar o seu próprio, a franquia foi corretamente escanteada.

Agora que a poeira baixou, é natural a decisão econômica de ressuscitar jogos que venderam milhões de unidades e anteciparam as tendências cinematográficas das produções de grande orçamento atuais.

O primeiro escolhido foi o que dá início a uma trama densa que atravessa o século 20, começando pelo auge da Guerra Fria em um roteiro que une robôs gigantes, soldados superpoderosos e rachas internos da União Soviética.

Diferentemente de remakes como os últimos “Resident Evil” da Capcom e do “Silent Hill 2” da própria Konami, a abordagem deste projeto lembra a da Nintendo com o novo “Super Mario RPG” e a da Square Enix com “Dragon Quest 3 HD-2D”.

Isso porque trata-se mais de um trabalho de restauração do que de recriação, ficando no meio do caminho entre o que se convencionou chamar de “remaster” e “remake” nos games. Aqui, há uma melhora nos gráficos e nas interações para que correspondam aos padrões atuais de fotorrealismo e de jogo, mas cenas, objetivos e ações foram mantidos intactos, mesmo que nem tudo tenha envelhecido tão bem.

Tratando-se de uma indústria com custos e períodos de desenvolvimento cada vez maiores, não é à toa que todos esses títulos restaurados sejam referências incontornáveis.

A mudança no visual possibilitada pelo aumento da capacidade gráfica, com cenários e personagens mais detalhados, impressiona a ponto de até destoar das atuações excêntricas dos dubladores. Snake, por exemplo, nunca esteve tão parecido com seu homônimo interpretado por Kurt Russell nos filmes de John Carpenter. Essa profusão de partículas e texturas em alta definição, inclusive, já se mostra um desafio para o modelo padrão do PlayStation 5, de 2020.

Há também uma mudança da câmera praticamente fixa do original para o chamado “estilo novo”, com a câmera nas costas do protagonista, uma tradução para as convenções recentes de enquadramento.

O melhor continua sendo as fricções já presentes na versão de 2004. Praticamente sozinho na missão de resgate de um cientista soviético, o jogador captura cobras (daí o título) e outros animais para se alimentar na selva. Remove balas alojadas no corpo e sutura ferimentos. Troca de uniforme para passar despercebido por biomas distintos.

São burocracias que fazem um jogo linear e até simples em sua estrutura ser igualmente vibrante e reativo 20 anos depois. Por exemplo, se Snake sente fome, a mira fica instável, sua barriga ronca e os inimigos podem escutá-lo. E nada mais apropriado para uma história de infiltração no país rival do que uma ideia central de furtividade que exige pensar antes de agir ou sair atirando.

Mesmo com as pérolas, a manutenção do esqueleto do jogo de 2004 é também acompanhada por situações frustrantes para os padrões atuais, como inimigos reagindo de forma truncada e uma certa dureza nos comandos.

Mas continua sendo um trabalho de peso que, neste caso, não é exatamente por mérito próprio, mas que lembra o “Psicose” de Gus Van Sant, refilmagem plano a plano do clássico de Alfred Hitchcock, e o conto “Pierre Menard, Autor do Quixote”, de Jorge Luis Borges, ao evidenciar que um retrabalho do tipo pode pôr em movimento engrenagens iguais que compõem uma máquina diferente.

A Konami provou com este retorno de “Metal Gear Solid” e o de “Silent Hill 2” que sabe olhar para seu passado e valorizar o que publicou de melhor. Mas talvez seja a hora de se voltar para o futuro e evitar que seu lado Snake Eater vire um ouroboros, a serpente que morde o próprio corpo, dependendo para sempre de espólios.

METAL GEAR SOLID DELTA: SNAKE EATER

– Avaliação Muito bom

– Preço R$ 399,90

– Classificação 18 anos

– Produção Konami

– Publicadora Konami

– Plataforma PC, PlayStation 5 e Xbox Series