SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As mudanças nas normas de ressarcimento de créditos do ICMS anunciadas nesta terça-feira (19) pela Secretaria de Estado da Fazenda e Planejamento de São Paulo, como resposta à Operação Ícaro que investiga fraude bilionária, vão dificultar a liberação de recursos que não têm relação com os problemas investigados no suposto esquema de corrupção, o que pode prejudicar empresas exportadoras, entre outros contribuintes.

Essa é uma avaliação feita por especialistas do setor privado e pessoas da própria administração pública com as quais a reportagem conversou nos últimos dias. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, pede que o governo paulista busque formas de combater o problema, mas sem prejudicar todos os contribuintes.

O alvo da operação é o ressarcimento de ICMS-ST (substituição tributária), mas as medidas atingem também o chamado crédito acumulado do ICMS. Apesar do nome semelhante, são duas coisas distintas e com regras diferentes para devolução desses valores.

Na substituição tributária, o imposto é cobrado no primeiro elo da cadeia de produção (empresa substituta), que pode ser uma montadora, fabricante de eletrodoméstico ou farmacêutica, por exemplo, tendo como base o preço que será cobrado na venda ao consumidor pela varejista (empresa substituída) —como a Ultrafarma ou a rede Fast Shop, que são investigadas na operação.

Cerca de 80% dos créditos de ICMS-ST se referem a vendas feitas para outros estados por uma “substituída”. Nesse caso, há uma interrupção da cadeia em São Paulo, e haverá recolhimento de imposto novamente, agora para o destino. Por isso, a varejista que está no território paulista tem direito a ressarcimento do tributo pago na compra do produto.

Se o destino da venda for um local que possui convênio com São Paulo, a empresa paulista recolhe o imposto em favor do outro estado. Se não houver convênio, o primeiro contribuinte que tiver contato com a mercadoria no destino faz a retenção.

Os outros 20% se referem a outras hipóteses, como venda ao consumidor abaixo do preço usado para cálculo do imposto na fábrica ou perda do produto.

Há alguns anos, o governo passou a permitir a transferência desses créditos a empresas de fora da mesma cadeia de produção, o que foi revisto agora após a Operação Ícaro, que apontou problemas nesse sistema. A transferência volta a ser permitida apenas dentro da própria cadeia produtiva —de uma farmácia para a fabricante do medicamento, por exemplo. Essa revisão é vista como positiva.

A Sefaz-SP, no entanto, também revogou nesta semana a norma que permitia a liberação “acelerada” de créditos acumulados de ICMS (questão que não tem relação com o ressarcimento de ICMS-ST) para empresas classificadas pela própria secretaria como bons contribuintes.

A liberação dependerá agora de uma auditoria prévia, o que deve sobrecarregar os trabalhos do fisco paulista e atrasar ainda mais a liberação pelo e-CredAc (Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado).

Pessoas que conhecem o sistema afirmam que ele possui recursos para bloquear a liberação “acelerada” caso haja pendências. Também há mecanismos para recuperação dos valores dessas empresas, que normalmente são grandes pagadoras de ICMS, se forem detectadas irregularidades posteriormente.

Esse crédito pode ser utilizado, por exemplo, para o pagamento de fornecedores. Para transferência a terceiros fora da cadeia, a regra anterior já previa necessidade de autorização do próprio secretário da Fazenda paulista.

A Fiesp, por exemplo, afirma que apoia as medidas para aumentar a transparência e garantir a probidade dos sistemas, mas pede que o governo estadual retome os processos anteriores aprimorando a gestão e controle dos mesmos, para evitar impacto negativo no fluxo de caixa das empresas e na competitividade da indústria paulista.

“Tais medidas impactam negativamente todos os contribuintes paulistas, penalizando, especialmente, os que se enquadram nos níveis mais altos de conformidade com a legislação tributária estadual”, diz a federação em nota enviada à Folha.

O fim desse “fast-track”, previsto nas regras do programa paulista Nos Conformes, pode anular os efeitos positivos da liberação de R$ 1,5 bilhão de créditos para exportadores anunciada uma semana antes pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), uma das medidas para ajudar empresas afetadas pelo tarifaço imposto ao Brasil pelos EUA.

Lígia Regini, sócia da área tributária do BMA Advogado, afirma que o decreto do governador que acaba com o procedimento simplificado para liberação do crédito acumulado para bons contribuintes causou apreensão entre indústrias que são clientes do escritório e estão enquadradas nessa categoria.

“Isso vai se traduzir em uma demora ainda maior para ter um crédito que é legítimo. Compreendo o momento de apreensão da Secretaria da Fazenda, e a necessidade de aprimoramento de compliance, mas essa revogação acaba sendo um retrocesso para os contribuintes mais bem classificados no estado”, afirma.

A advogada lembra que esses créditos não são um benefício fiscal, mas algo assegurado pela Constituição Federal, para evitar a cumulatividade do imposto, que onera os consumidores.

Na Operação Ícaro, o Ministério Público de São Paulo investiga suposto esquema bilionário de propinas e créditos irregulares de ICMS, com envolvimento de grandes varejistas e auditores fiscais da Sefaz-SP.

Os valores que teriam sido liberados de forma irregular se referem ao ressarcimento ou à transferência para terceiros do crédito de ICMS-ST. Não foram divulgadas fraudes envolvendo a devolução de crédito acumulado.

Em nota divulgada para comentar as medidas, o secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, afirma que as mudanças “têm como objetivo não apenas apurar eventuais irregularidades já identificadas pela Operação Ícaro, mas também eliminar riscos e evitar práticas indevidas ainda não detectadas”.