BARRETOS, SP (FOLHAPRESS) – A associação que organiza a Festa do Peão de Barretos há 70 anos só aceita em seu quadro de sócios homens, desde que sejam solteiros, independentes financeiramente e morem em Barretos (a 423 km de São Paulo) ou tenham vínculos fortes com o município. Mulheres e homens casados não têm a possibilidade de pleitear uma das cerca de cem vagas de associados.
O quadro de pré-requisitos, porém, já foi flexibilizado em relação ao que os 20 rapazes fundadores do então clube, em julho de 1955, definiram. O próprio número de sócios cresceu, acompanhando o desenvolvimento da festa nas décadas seguintes, e uma outra regra gravada nos “mandamentos” da associação também precisou ser revista.
Machismo ao não aceitar mulheres? Não, é só uma questão de tradição histórica, afirmam os integrantes da associação, que surgiu numa conversa de amigos numa mesa de bar, com uma série de exigências aos seus sócios cuja maioria segue válida até os dias atuais.
Criado como clube Os Independentes em 1955, a hoje associação não adotou a nomenclatura de forma aleatória: para pertencer ao grupo, os sócios, em sua maioria jovens na casa dos 20 anos e filhos de pecuaristas com atuação na região de Barretos, deveriam ter mais de 22 anos, ser solteiros e não dependerem financeiramente de seus pais.
Ainda era preciso ter nascido em Barretos ou comprovar a existência de vínculo com o município nos últimos anos e não possuir antecedentes criminais.
Com esse pacote de pré-requisitos, os 20 jovens organizaram no ano seguinte, sob a lona de um circo, a primeira Festa do Peão de Barretos, que em 2025 completou 70 anos com a perspectiva de receber 900 mil visitantes no Parque do Peão até o dia 31.
“É difícil mudar, é uma tradição, uma maneira de não perder aquele jeito de clube, de preservar as origens. E não tem nada a ver com machismo, as mulheres são predominantes em muitos setores dentro da estrutura de funcionamento”, disse Hussein Gemha Junior, ex-presidente. Três dos fundadores levam o sobrenome Gemha.
Mas não é preciso apenas que o pretendente se encaixe nos requisitos exigidos, já que o aspirante precisa passar por um período de adaptação de cerca de três anos, antes de ser admitido oficialmente.
O objetivo é que o interessado avalie se ele realmente quer integrar a associação e, do outro lado, o período é usado pelos atuais membros para conhecerem e definirem se também aceitam a entrada do candidato.
E qual regra do estatuto foi revista? A de expulsar sócios que se casassem. “O associado que se casar será incontinentemente expulso”, dizia o clube no início.
Foi uma questão de sobrevivência da associação, afirmam integrantes ouvidos pela Folha de S.Paulo. Apesar da revogação da regra da expulsão, um dos fundadores seguiu à risca o escrito pelo grupo em 1955, de acordo com o atual presidente, Jerônimo Luiz Muzetti.
“Ele ficou 55 anos morando junto, mas não se casou no papel. Foi o único Independente, firme mesmo”, disse.
Antes de a regra ser reavaliada, cinco sócios tiveram de deixar o clube, de acordo com Mussa Calil Neto, vice-prefeito de Barretos e membro e ex-presidente de Os Independentes.
NECESSIDADE
O crescimento no quadro associativo também foi uma exigência do avanço que a festa teve nas décadas seguintes após o surgimento, segundo Gemha Junior.
“Em 1985 nós viemos para o Parque do Peão e o profissionalismo cresceu, o pessoal viu que tinha que abrir o clube, que era sem fins lucrativos. Tinha que abrir para entrar mais gente. Só um grupo reduzido não ia dar conta de tocar a festa, mas o convite teria de seguir os mesmos critérios”, disse.
E assim, afirma, o clube foi se abrindo, até virar associação, já nos anos 2000. E é fácil entrar? “É mais fácil ser presidente do que entrar no clube. [Para ser aprovado na assembleia da associação] Precisa ter três quartos dos votos, e para ser presidente é preciso 50% mais um voto”, disse ele.
Eles afirmam acreditar que a forma de ingresso será mantida nas próximas décadas por seguir uma fórmula já consagrada e pela história que ela carrega.
“Acho muito importante a gente dar continuidade à história, porque um clube sem história não vai sobreviver por muito tempo. Minha família foi a que teve mais fundadores e hoje estou aqui, falando sobre isso. Não estarei aqui daqui a 70 anos, torço para que a nova geração tenha o mesmo carinho e apreço que eu tenho”, disse Gemha Junior, que tem dois filhos também já integrantes da associação.
Muzetti disse que o número de componentes do quadro associativo também não é mais fixo como no passado antes, só era aceito um novo membro em caso de morte ou de desistência de um sócio.
“Todos os anos entram três, para oxigenar, porque nós ficamos um time mais idoso, mais velho, então está vindo a molecada mais nova aí, com mais vigor”, afirmou.
Além dos 20 fundadores do clube, outros 12 membros foram admitidos entre a fundação do grupo e a primeira festa, realizada no ano seguinte. O único vivo é José Tupynambá, o Tupy, 97.