BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – O Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e a ANM (Agência Nacional de Mineração) criaram uma plataforma que permite à agência reguladora fiscalizar com mais eficiência o pagamento de royalties por mineradoras com operações no Brasil. Esse é um dos principais gargalos do setor minerário no país, que registra altas taxas de sonegação de impostos por parte das empresas.

A plataforma cruzará as autodeclarações de todas as mineradoras à ANM com notas fiscais depositadas na Receita Federal relativas às vendas de minérios. Até então, a agência não tinha acesso ilimitados às notas fiscais e precisava de mão de obra –escassa– para fiscalizar as empresas.

De acordo com um relatório do TCU (Tribunal de Contas das União) relatado no ano passado pelo ministro Benjamin Zymler, 70% dos titulares de direitos minerários no Brasil não pagaram espontaneamente a Cfem, como é chamado os royalties da mineração, entre 2017 e 2022.

São esses repasses que chegam aos cofres da União, além de governos estaduais e municipais. No caso do minério de ferro, principal mineral extraído no país, as mineradoras precisam pagar 3,5% de seu faturamento, descontados os tributos incidentes sobre a comercialização. Já na venda de minerais críticos, como cobre, níquel, lítio e terras raras, a alíquota é de 2% (no caso do nióbio é de 3%).

O cálculo desse repasse cabe hoje às próprias mineradoras, responsáveis por autodeclarar seus faturamentos à ANM. A agência reguladora, no entanto, é um dos órgãos mais sucateados do governo federal e hoje conta com apenas três funcionários para fiscalizar se as declarações das empresas são verdadeiras, o que abre caminho para sonegação no setor.

O TCU calculou que em 2022 os fiscais da ANM só conseguiram fiscalizar 17 empresas, ainda que houvesse no país naquele ano 39 mil processos minerários em andamento relacionados à concessão de lavra e ao licenciamento. Os dados, segundo o tribunal, representaram perda de R$ 9,4 bilhões a R$ 12,4 bilhões para União, estados e municípios.

De acordo com Rodrigo Couto e Silva, gerente de projetos, regulação e estratégias arrecadatórias da ANM, os fiscais da agência hoje precisam focar mineradoras com faturamentos maiores, o que faz com que pequenas e médias empresas –geralmente, responsáveis pela extração de ouro e minerais críticos– passam ilesas à fiscalização.

E, devido à mão de obra escassa, as grandes também conseguem se beneficiar. Como a Folha de S.Paulo mostrou nesta semana, por exemplo, a Vale tem processos de sonegação na agência que somam ao menos R$ 4 bilhões.

“O índice de sonegação no setor mineral, infelizmente, é muito grande, até mesmo por causa dessa sensação da mineradora de não ser fiscalizada. Mas quando a gente cruzar informações de notas fiscais do Brasil inteiro, não só da empresa que está sendo fiscalizada, isso tende a melhorar bastante”, diz Rodrigo Couto e Silva. A plataforma foi apresentada nesta quinta-feira (21) em evento organizado pela Amig Brasil, associação que reúne os municípios minerados no país.

Segundo ele, hoje a agência tem cerca de R$ 20 bilhões de créditos inscritos, sendo que R$ 6,8 bilhões já viraram dívida ativa. Em comparação, só no ano passado, a arrecadação de Cfem foi de R$ 7,4 bilhões.

Bruno Ferreira Vilela, superintendente de negócios estratégicos do Serpro, explica que a plataforma emitirá uma notificação quando detectar que a autodeclaração da mineradora não é condizente com as notas fiscais registradas na Receita. “Com isso, estamos propiciando uma menor necessidade de recursos humanos para acompanhamento dessas questões de arrecadação”, afirma.

Mas nas fases seguintes do processo, a ANM precisará expandir seus funcionários. Isso porque com a maior detecção de fraudes os fiscais da agência terão mais trabalho para administrar processos relacionados ao tema.

A próxima fase, afirma Vilela, é integrar os municípios na plataforma. A ideia é que as cidades mineradas possam ter acesso às autodeclarações das empresas, hoje limitadas à própria agência. O movimento é importante, porque permite às prefeituras planejar melhor seus gastos, hoje bastante dependentes da arrecadação de Cfem.

Marco Antônio Lage, presidente da Amig e prefeito de Itabira, diz esperar que até o final do ano os municípios tenham acesso à plataforma.

“O custo dos municípios minerados é enorme, porque a mineração traz compromissos sociais pesados. E a gente sabe que, por mais que a ANM esteja anunciando agora mais fiscais, ainda assim é uma estrutura muito pequena diante de quase 40 mil processos da mineração no Brasil todo. Então, nós não temos dúvidas de que os municípios precisam assumir esse papel de fiscalização também”, afirma.