SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O relatório no qual a Polícia Federal aponta indícios de que Jair Bolsonaro (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tentam inferir no julgamento da trama golpista agrava a situação jurídica do ex-presidente, mas não traz elementos que possam embasar uma prisão preventiva contra ele, dizem especialistas ouvidos pela reportagem.
A PF coloca os dois como suspeitos da prática dos crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado democrático de Direito ao articularem sanções dos Estados Unidos contra o Brasil e disseminarem narrativas falsas nas redes sociais. O enquadramento penal gera divergências entre professores de direito consultados pela reportagem.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a defesa do ex-presidente preste esclarecimentos, no prazo de 48 horas, sobre possível descumprimento de medidas impostas pela corte, reiteração de condutas ilícitas e risco de fuga.
Segundo a PF, Bolsonaro disseminou mensagens após a proibição de uso das redes sociais determinada pelo ministro, manteve contato com o advogado do Rumble, empresa de rede social americana que moveu processo nos EUA contra Moraes, e guardou no celular uma minuta de pedido de asilo político para o presidente da Argentina, Javier Milei.
Marina Coelho, vice-presidente do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), diz que o relatório agrava a situação do ex-presidente porque pode embasar um novo processo, sobre os crimes apontados no documento. Ela diz não ver, porém, espaço para prisão preventiva devido à situação atual de Bolsonaro.
“Ele está em prisão domiciliar. O julgamento [da trama golpista] está marcado para o dia 2 [de setembro]. Entendo que a situação está controlada. Não há risco aqui, nem à instrução criminal, nem à ordem pública, nem à execução”, afirma.
Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde o início de agosto. Na decisão que determinou a reclusão, Moraes afirmou que o ex-presidente, proibido de usar redes sociais, diretamente ou por meio de terceiros, descumpriu a restrição ao acompanhar manifestações a distância, aparecer em vídeo e ter mensagem divulgada.
Coelho questiona a divulgação de mensagens extraídas do celular do ex-presidente, que, na sua avaliação, deveriam permanecer sob sigilo judicial. Ela diz que, em sua avaliação, não há base para enquadrar Bolsonaro ou Eduardo nos crimes de coação e de abolição do Estado de Direito.
A advogada diz que o tarifaço e a Lei Magnitsky foram aplicados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, não diretamente pelo ex-presidente e pelo filho dele. Além disso, para ela, as falas deles não configuram grave ameaça à corte. “É um esperneio legítimo de uma pessoa processada.”
A professora da FGV Direito SP Luisa Ferreira considera que ameaças à pessoa física de ministros, como tentativas de sanções pela Lei Magnitsky, podem constituir os crimes de coação ou abolição do Estado de Direito. Por outro lado, avalia que atos como defesa de anistia ou críticas públicas não devem ser enquadrados criminalmente, ainda que possam ser considerados problemáticos.
Para ela, a maior parte dos diálogos revelados pela PF não apresenta indícios de crimes e estaria protegida pela liberdade de expressão, mas uma parcela traz elementos que podem configurar delitos, especialmente no que se refere à Lei Magnitsky e às conversas com o advogado do Rumble.
Ferreira avalia que o relatório pressiona os investigados, visando interromper as condutas, sem alterar necessariamente o resultado dos processos. Ela ressalta que os fatos não podem ser usados oficialmente no julgamento previsto para setembro, porque o período de instrução, quando a defesa pode contraditar evidências apresentadas, já foi encerrado.
Sobre a possibilidade de prisão preventiva, a professora da FGV também diz não ver elementos contemporâneos que a justifiquem. “Não vejo nada no relatório que ele possa continuar a fazer na prisão domiciliar.”
“Já está sem o celular. Não pode fugir, porque está com a tornozeleira, vigiado. Num segundo, se sair, alguém pega”, afirma ela.
O professor Antônio José Teixeira Martins, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), por sua vez, avalia que os indiciamentos de Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro por coação e abolição do Estado de Direito têm fundamento jurídico.
De acordo com ele, isso aparece tanto por haver uma “ameaça grave de sanção em relação ao juiz ou a outros juízes do Supremo Tribunal Federal, como em relação ao Brasil em geral, com medidas econômicas na expectativa de uma intervenção política do governo sobre a atuação do Supremo”.
Martins afirma que o relatório piora a situação do ex-presidente no sentido de ter a possibilidade de mais um processo contra ele no qual pode ser condenado, mas acredita que, como o documento aponta fatos anteriores à prisão domiciliar, o quadro atual parece suficiente para coibir novas ações.