BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Vale defende que o ferro, principal produto da empresa e que gerou R$ 170 bilhões de receita líquida em 2024, seja classificado como um material estratégico para a transição energética quando tiver alto teor de pureza.

De acordo com interlocutores ouvidos pela reportagem, o objetivo é garantir a possibilidade de acessar instrumentos a serem criados pelo governo Lula (PT) por meio do plano de incentivo à produção de minerais desse tipo.

Conforme publicou a Folha de S.Paulo, dentre os itens estudados pelo Executivo no pacote está a criação de uma linha do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a permissão para empresas do segmentos emitirem debêntures incentivadas.

De acordo com levantamento da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o ferro não costuma ser considerado um mineral crítico ou estratégico no cenário global. A classificação varia conforme o país.

No Brasil, um mineral é considerado estratégico se depender de sua importação para suprir setores-chave, se sua importância estiver crescendo devido à aplicação em alta tecnologia ou se ele for essencial para a economia nacional e contribuir para o superávit comercial. O ferro é elencado por resolução de 2021 do Ministério de Minas e Energia como um material crítico dentro dessa última categoria.

O plano do governo, de acordo com membros do Executivo, é voltado a atacar gargalos e facilitar a produção dos materiais críticos -o que contrasta com uma cadeia já consolidada como a do minério de ferro. Em 2024, por exemplo, a Vale produziu 327 milhões de toneladas do produto. Além disso, esse é o terceiro bem mais exportado pelo país, com US$ 26 bilhões vendidos em 2024 -atrás somente de petróleo (US$ 45 bilhões) e soja (US$ 43 bilhões).

Mas a Vale defende que o material tem importância crucial, inclusive para a transição energética. Além de ser um material predominante em torres eólicas e linhas de transmissão, o minério com alto grau de pureza (a partir de 63%) poderia ser mais usado para diminuir a emissão de gases de efeito estufa na produção do aço.

Procurada, a Vale afirmou que o reconhecimento do minério de ferro de alto teor como crítico e estratégico para a descarbonização global “segue o exemplo de países como o Canadá, cujas políticas públicas abrangem materiais que são estruturalmente indispensáveis para a economia verde”.

A mineradora diz ter desenvolvido ao longo de quase 20 anos de pesquisa o briquete de minério de ferro, produto que pode contribuir para reduzir a emissão de poluentes na produção de aço. “O minério de ferro de alto teor é crucial para a descarbonização da siderurgia, responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO₂. Um exemplo é o uso deste minério para a produção de Hot Briquetted Iron (HBI) com hidrogênio verde, que pode reduzir a emissão de CO₂ no processo siderúrgico a quase zero, além de representar uma vantagem competitiva para o Brasil.”

O HBI elimina da produção do aço a etapa da sinterização, que é intensiva em carbono por demandar um aquecimento de até 1.350 graus. A empresa tem intenção de construir e operar fábricas do produto.

No ano passado, por exemplo, a Vale assinou um memorando de entendimentos com a espanhola Hydnum Steel para desenvolver soluções de baixo carbono para a produção de aço. O acordo inclui justamente a avaliação conjunta sobre uma possível planta de briquetes com início de produção previsto para 2026.

A Vale já teve conversas sobre o pleito do minério de ferro com o governo e planeja atuar na produção de outros minerais críticos por meio de sua controlada Vale Base Metals -criada há menos de três anos e que hoje tem também como acionistas a Manara Minerals, da Arábia Saudita.

Em grande parte o plano do governo está sendo gerido justamente para compensar a dificuldade da atividade ligada a minerais críticos, que têm características que os diferem dos materiais tradicionais.

O ciclo do minério de ferro, por exemplo, é mais tradicional, simples e consolidado. A produção é focada na extração em larga escala, beneficiamento básico e transporte para siderúrgicas que produzem aço.

Já a cadeia dos minérios críticos é mais complexa e fragmentada, envolvendo não apenas a mineração, mas também etapas sofisticadas de refino, processamento químico e integração com indústrias de alta tecnologia. Isso exige mais investimento em inovação, parcerias e capacidade para atender requisitos técnicos específicos de setores como energia, eletrônicos e mobilidade elétrica.

A importância dos materiais críticos cresceu nos últimos anos devido à demanda impulsionada pela transição energética -em especial, pelo uso dos materiais em baterias, carros elétricos e torres de energia eólica.

A visão do governo brasileiro é que a mineração de lítio, por exemplo, precisaria se multiplicar por 40 nos próximos 20 anos para dar conta da demanda. No caso do grafite, seriam 25 vezes. A de cobre teria que dobrar. O governo afirma que o Brasil pode se tornar um ator central no abastecimento mundial.

LISTA DE MINERAIS ESTRATÉGICOS PARA O BRASIL

– Categoria 1 (bens minerais dos quais o país depende de importação em alto percentual para o suprimento de setores vitais da economia): enxofre, fosfato, potássio e molibdênio.

– Categoria 2 (bens minerais que têm importância para a alta tecnologia): cobalto, cobre, estanho, grafita, grupo da platina, lítio, nióbio, níquel, silício, tálio, tântalo, terras raras, titânio, tungstênio, urânio e vanádio.

– Categoria 3 (bens minerais que detêm vantagens comparativas e são essenciais para o superávit comercial): alumínio, cobre, ferro, grafita, ouro, manganês, nióbio e urânio.