BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal incluiu em seu relatório final sobre a suposta coação de Jair Bolsonaro (PL) e seu filho Eduardo diálogos sem relação com os crimes investigados.

Além disso, parte do material tornado público na quarta-feira (20) pelo STF (Supremo Tribunal Federal) mostra divergências sobre a escolha de uma nova liderança para o espectro bolsonarista, expondo articulações políticas do grupo.

O inquérito no qual Bolsonaro e Eduardo foram indiciados investiga a possível prática dos crimes de coação e abolição do Estado democrático de Direito.

Aliados do ex-presidente criticaram o fato de o relatório da investigação ter sido enviado ao Supremo às vésperas do julgamento sobre a trama golpista. O presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, marcou para o dia 2 de setembro o início da análise sobre o núcleo central da ação.

As conversas que constam do relatório da PF foram obtidas em um celular apreendido de Bolsonaro. São mensagens trocadas entre o ex-presidente e Eduardo, o pastor da Assembleia de Deus Silas Malafaia e o advogado americano Martin de Luca.

O relatório expõe uma guerra entre a família de Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), nos primeiros dias após o anúncio do tarifaço de Donald Trump contra o Brasil.

Numa mensagem enviada ao pai, Eduardo afirma que Tarcísio nunca o ajudou no Supremo, a despeito do bom trânsito entre os ministros. “Sempre esteve de braço cruzado vendo você se foder e se aquecendo para 2026”, escreveu.

Outra mensagem mostra uma ofensa de Eduardo ao pai por causa de Tarcísio.

Em entrevista ao portal Poder360 dias antes das mensagens do deputado, Bolsonaro havia dito que Tarcísio continuava sendo “o meu irmão mais novo” e elogiado seu trabalho à frente do Governo de São Paulo. Na sequência, afirmou que Eduardo, “apesar de ter feito 40 anos de idade agora, ele não é tão maduro assim”.

Eduardo reagiu com raiva. “VTNC SEU INGRATO DO CARALHO’!, escreveu em maiúsculas, usando a sigla que significa “vai tomar no c…”.

“Eu ia deixar de lado a histórico do Tarcísio, mas graça aos elogios que vc fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se vc aprende”, disse ainda Eduardo.

A Polícia Federal incluiu no relatório final 11 áudios obtidos no celular de Bolsonaro. A maioria foi extraída de conversas no WhatsApp entre o ex-presidente e Silas Malafaia.

Em um dos áudios, de 12 segundos, o presidente afirma que não poderia gravar um vídeo que o pastor o solicitava porque estava com crise de soluços. “Malafaia, eu estou com uma crise de soluço. A cada três segundos é uma crise de soluço. Está impossível gravar qualquer coisa. E essa crise está comigo há dias, ok? Se acalmar aqui eu faço”, diz Bolsonaro na gravação.

O professor de direito penal da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Davi Tangerino diz que a inclusão de conversas pessoais sem relação com os crimes investigados é uma prática comum nas instâncias inferiores.

O próprio presidente Lula (PT) teve um diálogo sem relação com as investigações, revelada após a exposição de grampos pelo então juiz Sergio Moro. Na época, o petista perguntou ao ex-ministro Paulo Vannuchi onde estavam as “mulheres de grelo duro do nosso partido”. A defesa do petista também pediu à Justiça indenização pela exposição de diálogo privado entre Marisa Letícia e seu filho.

“Falta no Brasil uma norma expressa determinando que tudo quanto não seja relevante não deveria ser nem materializado nos autos, deveria ser pura e simplesmente descartado”, diz Tangerino, que defende que a regulamentação seja aprovada pelo Congresso em um projeto sobre LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) para assuntos penais.

Ele avalia que o relatório sobre Bolsonaro e Eduardo tem excessos nas reproduções das conversas. “A parte sobre o Tarcísio não tem nenhuma relação com o processo. O Malafaia brigando com o Eduardo também”, completa.

Tangerino afirma ainda que a divulgação do relatório às vésperas do julgamento de Bolsonaro no Supremo não é um ponto fora da curva porque os processos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes têm sido mais rápidos que o comum.

O professor de direito processual penal da USP Gustavo Badaró também aponta excessos na divulgação das mensagens. O docente fez parecer sobre direito de defesa para as alegações finais dos advogados de Bolsonaro no caso da trama golpista, segundo a coluna Mônica Bergamo.

“Bolsonaro pedir asilo na Argentina, isso pode ter maior ou menor relevância para a investigação. Mas uma conversa que eu estou xingando o filho, dizendo que você é imaturo, discussões puramente políticas não interferem em absolutamente nada no processo”, diz .

Ele avalia que parte do material divulgado pela Polícia Federal pode ter interesse em questões políticas ou sociológicas. Destaca, porém, que a legislação brasileira proíbe a divulgação de gravações que não interessem como prova.

“A ideia da lei era garantir a privacidade, a liberdade de comunicação; que só fique no processo o que interessa ao inquérito, aquilo que diz respeito ao crime que está sendo investigado”, completa.