SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Primeira Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou uma empresa de São Paulo a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil por realizar pesquisa de antecedentes criminais e de restrição de crédito antes de contratar seus funcionários.
Os ministros entenderam que a prática é discriminatória e fere o que diz entendimento consolidado da corte. No processo, a companhia tentou se defendeu dizendo que não discriminava, pois tinha em seus quadros trabalhadores contratados mesmo estando endividados.
A Turma atendeu a pedido do MPT (Ministério Público do Trabalho) em ação civil pública após ter recebido denúncia de um trabalhador relatando que foi chamado para fazer entrevista para vaga de motorista no local, mas não teria sido contratado por estar endividado, com restrição no SPC (Sistema de Proteção ao Crédito), mesmo tendo passado nos exames admissionais.
A empresa confirmou que consultava os órgãos de proteção ao crédito, mas negou a discriminação, alegando que possui em seus quadros funcionários que foram contratados mesmo com restrições.
A advogada trabalhista Priscila Novis Kirchhof, do escritório Trench Rossi Watanabe, afirma que o entendimento na Justiça do Trabalho sobre práticas discriminatórias na fase de contratação de empregados é confuso e complexo, especialmente quando envolvem a exigência de antecedentes criminais ou a consulta a informações de crédito do candidato.
Segundo Priscila, ainda que a Constituição Federal e a lei 9.029, de 1995 proíbam a adoção de critérios discriminatórios -como histórico de crédito, antecedentes criminais, ou questões ligadas a orientação sexual e de gênero, entre outras-, não há uma legislação específica que regule claramente em quais casos essas informações podem ser solicitadas.
“Isso acaba gerando decisões judiciais conflitantes, principalmente entre as instâncias de primeiro e segundo grau”, diz ela.
No entanto, segundo Priscila, o TST é mais protetivo neste sentido. Ela lembra que o tema 1 da corte autoriza a exigência de certidão de antecedentes criminais somente quando houver previsão legal ou quando a natureza do cargo justificar a exigência, como no caso de vigias, motoristas de carga, bancários e trabalhadores que lidam com entorpecentes ou armas.
No entanto, não há qualquer previsão semelhante para a consulta a informações de crédito, prática considerada discriminatória pela jurisprudência consolidada do próprio TST.
“Não se pode barrar a contratação de uma pessoa apenas por ela estar inadimplente. A conta negativa não pode ser critério para exclusão do mercado de trabalho”, diz.
Nessas situações, o trabalhador pode pedir indenização por danos morais, mas a prova da discriminação é difícil, o que contribui para a baixa judicialização desses casos.
Priscila observa que essas práticas ocorrem de forma velada e, por isso, denúncias por parte de funcionários do setor de RH ou colegas de trabalho podem ser essenciais para comprovar a discriminação.
Além disso, diz que esse tipo de consulta pode ferir a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), cuja violação por meio de acesso indevido a dados pessoais pode gerar multas elevadas e ações civis públicas.
Apesar da proteção legal existente, a especialista alerta que a jurisprudência segue instável, e que a ausência de regulamentação específica favorece uma espécie de “roleta russa” no Judiciário.
“O TST tende a adotar uma visão mais protecionista, mas ainda falta clareza legal sobre os limites de exigência de informações na contratação”, afirma.