SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A condenação em primeira instância do humorista Leo Lins a oito anos e três meses de prisão deu repercussão e visibilidade a uma lei que ainda tenta se firmar no amparo de pessoa com deficiência no pais, a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), que acaba de fazer dez anos e que deu suporte para a punição do artista, que ainda pode ser revista.
A legislação, que prevê pena que pode chegar à reclusão em casos da prática de capacitismo, que é preconceito contra indivíduos com diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, também versa sobre questões de acessibilidade, educação inclusiva, direito à cultura, ao lazer, ao esporte, ao trabalho e outros temas.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto que deu origem à lei, considera a LBI um “verdadeiro instrumento de inclusão e cidadania”.
“A lei não pode ser apenas uma peça no papel, precisa ganhar vida e movimento e, por isso, a pressão da sociedade para que o Estado regulamente tudo o que está previsto é fundamental”, declarou o senador.
Os especialistas consultados foram unânimes em apontar a caracterização da deficiência como um dos mais desafiadores caminhos para a lei.
O Brasil ainda discute a transição entre o modelo médico que analisa a doença, fatores biológicos e tratamento para o modelo biopsicossocial, que considera o resultado da interação entre a pessoa e seu ambiente, incluindo as atitudes e barreiras.
“Um dos grandes desafios que ainda temos é a dificuldade em identificação das situações que caracterizam deficiência, o acesso a maioria das políticas públicas ainda tem dependido de laudo médico justamente por não termos uma avaliação biopsicossocial, o que causa muitas desvalidações, além de excesso de avaliações e reavaliações”, afirma a defensora pública Renata Tibyriçá, de São Paulo, uma das mais atuantes do país em defesa da pessoa com deficiência.
Ela destaca também que embora a lei tenha avançado na questão do reconhecimento da capacidade jurídica de pessoas com deficiência intelectual, principalmente, ainda são necessários mais instrumentos legais de apoio para que esse grupo tenha autonomia plena para questões como casamento ou abertura de negócios, por exemplo.
Para a médica Izabel Maior, referência mundial em inclusão e a primeira a ocupar o cargo de secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, conta que a lei foi elaborada sem detalhamentos excessivos e que, por isso, ficou aberta para decretos de regulamentação.
Segundo ela, não houve houve continuidade de uma proposta em que a pessoa com deficiência fosse prioridade de um determinado governo, nem que tivesse um orçamento próprio para sua aplicação.
A lei foi aprovada meses antes do impeachment de Dilma Rousseff, ficou estagnada durante o Jair governo Bolsonaro e com a pandemia. “Temos quase sete anos em que a LBI não encontrou um momento propício para florescer, para ser mais divulgada, para ter mais condições de que venha a ser aplicada.”
A secretária municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Silvia Grecco, defende a necessidade de um orçamento específico para a inclusão e avanço na representatividade para que a lei se instale de maneira mais efetiva.
“Ainda temos muito caminho pela frente. A pessoa com deficiência tem que estar em todos os lugares na escola, no trabalho, no lazer, no transporte e também no orçamento público. Se não tiver investimento previsto para acessibilidade, inclusão, tecnologia assistiva, nada avança. Ainda é desigual entre as cidades, mas dá para melhorar com formação, boa vontade e escutando quem vive isso na prática”, diz a secretária.
Ela entende, porém, que dinheiro sozinho não resolve tudo, sendo essencial planejamento, acompanhamento, cobrança de resultados e, acima de tudo, ouvir as pessoas. Para ela, a inclusão sai de verdade do papel com escuta e ação.
Um avanço considerado muito relevante trazido pela LBI foi em relação à educação inclusiva, que embora ainda sofra resistência por alguns setores que querem a possibilidade das chamadas escolas especiais, teve impacto na vida de milhares de pessoas.
Para a diretora de marketing Denise Crispim, mãe de Sofia, uma jovem com paralisia cerebral, hoje na universidade, recebeu diversas negativas de escolas para matricular a filha, antes da lei.
“Antes da LBI existiam diversas legislações sobre o direito à educação, mas enquanto não houve uma lei específica que estabeleceu multa para quem negasse o acesso à escola à pessoa com deficiência, negavam matrícula. A mudança foi radical. Pararam de dizer ‘não, não aceitamos essa criança aqui'”, declara Denise.
De acordo com o senador petista, o caminho não é rever a lei, mas vencer as resistências e implementar, a educação inclusiva, colocando estudantes com e sem deficiência no mesmo espaço.
“Uma sociedade inclusiva começa numa escola inclusiva. Isso não quer dizer que nosso sistema educacional esteja em estágio ideal. Precisamos investir na qualificação de professores e gestores, e conscientizar alunos e pais de que não existe educação verdadeira que não seja baseada no respeito e na valorização de todas as diferenças.”
Os especialistas convergiram na ideia de ampliar a divulgação da lei e de seus dispositivos como forma de proteção dos grupos sociais que ela abrange e também para a sociedade saiba desses direitos e deveres.
“Temos um capacitismo estrutural. É muito importante a difusão de informações sobre direitos das pessoas com deficiência, especialmente na mídia, mas é preciso que elas ocupem cada vez mais espaços na sociedade, inclusive em posições de destaque para que a diversidade funcional seja naturalizada como parte do ser humano”, afirmou a defensora Renata.
Conheça diretrizes da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Lei nº 13.146/2015:
Direito à igualdade e não discriminação – garante que pessoas com deficiência tenham os mesmos direitos e oportunidades que todas as demais, proibindo a discriminação
Capacidade civil plena – direito de exercer sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais, inclusive para casar, ter filhos, trabalhar e administrar bens
Acessibilidade universal – obriga a eliminação de barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais em espaços públicos e privados de uso coletivo, transporte, comunicação e tecnologias
Educação inclusiva – garante matrícula e permanência de estudantes com deficiência em escolas regulares, com recursos de apoio e atendimento especializado, sem cobrança extra
Trabalho e inclusão produtiva – protege o direito ao trabalho, incentivando a contratação e a manutenção de pessoas com deficiência no mercado formal, inclusive por meio de cotas
Saúde e reabilitação – assegura atendimento integral pelo SUS, incluindo reabilitação, órteses, próteses e tecnologias assistivas, sem custo
Transporte e mobilidade – garante transporte público acessível, reserva de assentos e condições adequadas para embarque e desembarque com segurança e dignidade
Crimes e punições – define como crime a discriminação contra pessoas com deficiência, com penas que variam de multa a reclusão, conforme a gravidade da conduta