BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Olhando o oropouche de perto, cientistas brasileiros querem entender melhor o vírus para, eventualmente, conseguirem fármacos com ação sobre ele. O primeiro passo dos pesquisadores foi conseguir registrar imagens de parte da ação do oropouche sobre células.
Uma pesquisa do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral da Fiocruz fez uma caracterização detalhada do vírus e publicou, em março, os resultados na revista Viruses, do grupo MDPI.
O local já tem experiência com caracterizações como essa, aponta Débora Vieira, pesquisadora do laboratório, que, durante a pandemia de Covid-19, registrou a imagem da infecção de células pelo Sars-CoV-2.
Esse olhar mais detido sobre as estruturas do vírus e como ele se comporta ao infectar células é importante para achar o que se costuma chamar de alvos terapêuticos. Como o próprio nome aponta, a ideia é entender os mecanismos e identificar estruturas que poderiam ser usadas para combater a infecção.
Os pesquisadores usaram o vírus isolado de um paciente humano e, a partir disso, observaram o processo de replicação viral na infecção de células vero que são comumente usadas em estudos e derivadas do rim de um macaco Chlorocebus sabaeus.
A atenção ao oropouche neste momento ocorreu porque os pesquisadores observaram, em 2024, uma distribuição geográfica um pouco diferente no vírus, que antes ficava mais detido na região Norte do Brasil.
Ao buscarem mais informações sobre o vírus, perceberam que a literatura científica era escassa.
“Então, daí que nós iniciamos os estudos para sanar algumas lacunas no que diz respeito ao ciclo replicativo do vírus e como ele se comporta em células. É um dos primeiros passos quando você quer estudar uma molécula de ação antiviral”, diz Vieira. “Você precisa conhecer como o vírus se comporta no modelo in vitro, que é em célula em laboratório, para a posterior aplicação de diferentes moléculas já conhecidas de ação antiviral para ver se elas se aplicam ao oropouche.”
Segundo a pesquisadora, a literatura sobre o vírus não traz o passo a passo da replicação do vírus. E, mesmo com o estudo que assina, Vieira diz que ainda não existe esse descritivo. “Nós estamos caminhando. Conseguimos demonstrar parte do processo replicativo do oropouche”, afirma.
No momento, o que os pesquisadores conseguiram como você pode ver nas imagens é somente uma visão em um único plano. Vieira diz que é como se alguém fatiasse a célula e a análise fosse feita em relação a essa fatia.
A ideia agora é caminhar para uma visualização tridimensional e, com isso, construir um modelo colorido, o mais didático o possível, do processo de replicação do vírus. Tal caracterização já pode acontecer nos próximos meses, segundo Vieira.
A pesquisa olhou especificamente a linhagem do vírus oropouche, a OROV BR-2015-2024, responsável por casos mais recentes no país e que foi descrita em artigo publicado, no ano passado, na Nature Medicine.
Inclusive, o vírus usado para o estudo da Fiocruz foi isolado de um paciente da cidade de Piraí, no Rio de Janeiro, que teve amostras coletadas em abril de 2024.
SITUAÇÃO DA FEBRE OROPOUCHE NO BRASIL
A febre oropouche tem sintomas muito semelhantes aos da dengue, como dor de cabeça intensa, dores musculares, náusea e diarreia.
Por essa semelhança, Vieira aponta que não seria surpreendente uma subnotificação de casos da doença.
A doença é transmitida pelo maruim (Culicoides paraensis). Após picar uma pessoa infectada, o mosquito carrega por alguns dias o vírus Orthobunyavirus oropoucheense. Ao picar novamente, dessa vez uma pessoa não infectada, a doença pode ser transmitida.
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico da febre oropouche é clínico, epidemiológico e laboratorial. O ministério aponta que oropouche é uma doença de notificação compulsória e imediata, por causa do potencial epidêmico, capacidade de mutação e, portanto, pelo seu potencial de ameaça à saúde pública.
Em 2024, soou o alerta de que a febre oropouche estava se expandindo para fora da bacia amazônica. Os números de infecções passaram a ser recordes. O diretor da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Jarbas Barbosa, manifestou, no ano passado, preocupação com o aumento dos casos da febre oropouche e também de dengue e gripe aviária.
Um estudo apontou que, possivelmente, o maruim tenha se adaptado às condições ambientais de outras áreas do país.
Um dos estados de maior atenção é o Espírito Santo, com grande concentração de casos.
De acordo com o painel do Ministério da Saúde, em 2025 o Brasil já registrou quase 12 mil casos de febre oropouche, com cinco mortes confirmadas e duas em investigação até o momento da apuração desta reportagem.
As mortes já superam as de 2024 (quatro) e os casos se aproximam do que foi registrado em todo ano passado (13.856).
Em 2025, o Espírito Santo é responsável por 6.322 casos e o Rio de Janeiro, por 2.500.