BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (20), o projeto que prevê a proteção de crianças e adolescentes em ambiente digital. A medida foi submetida ao plenário após o tema da exploração infantil nas redes ter ganhado repercussão a partir do vídeo de denúncia do influenciador Felca.
Apoiado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e pelo governo Lula (PT), o projeto de lei 2628/22 enfrentou, inicialmente, oposição de deputados bolsonaristas por entenderem que o texto permitia censurar redes sociais. A medida obriga as plataformas a terem mecanismos para impedir o acesso por crianças e adolescentes a conteúdos inadequados e estabelece regras para o uso por esse público.
Apelidado de ECA digital, em alusão ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o projeto foi proposto pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2022 e foi aprovado pelo Senado no ano passado.
O texto acabou ganhando o apoio dos oposicionistas após algumas alterações feitas nesta quarta, como, por exemplo, limitar as notificações de conteúdo impróprio que ensejam sua retirada mesmo sem decisão judicial. Antes, as notificações poderiam ser feitas por qualquer usuário e, agora, somente pelas vítimas, responsáveis, Ministério Público ou entidades representativas.
“Não havia consenso, mas agora há. Houve um equilíbrio, um denominador comum. Mas espero que o projeto não seja usado no futuro para algo pior”, disse Nikolas Ferreira (PL-MG).
Ao iniciar a votação nesta quarta, Motta afirmou que aprovar a medida será “uma grande demonstração de que não é uma pauta da esquerda ou da direita, mas do Brasil”.
Nesta terça-feira (19), sob protestos de bolsonaristas, a Câmara aprovou, em uma votação relâmpago, o requerimento de urgência do projeto, o que acelera sua tramitação.
A votação, feita em segundos por Motta, foi simbólica e não nominal, ou seja, os deputados não registraram individualmente seu voto, como tentaram forçar o PL e o Novo. Na votação simbólica, o presidente afirma que os deputados favoráveis devem permanecer como se encontram e, em seguida, declara a aprovação.
Os deputados de oposição afirmaram que a atitude do presidente da Casa foi uma covardia e um “tratoraço”.
Nesta quarta, a votação ocorreu após a realização de uma comissão geral no plenário pela manhã. A comissão foi convocada por Motta, também como uma forma de resposta ao vídeo de Felca, para ouvir mais de 40 especialistas em proteção de crianças e adolescentes.
Os oradores demonstraram apoio ao texto, chamado de marco civilizatório, e descartaram a acusação de que haja qualquer tipo de censura. Luciana Temer, advogada e presidente do Instituto Liberta, de combate à violência sexual contra crianças, afirmou que as redes não devem ser demonizadas, mas é preciso ter um freio.
Representando o governo Lula, o secretário de políticas digitais, João Brant, listou ações do governo e defendeu a criação da autoridade nacional para regulamentar e supervisionar as redes. “As plataformas podem e devem fazer mais, mas não farão sem regras claras. […] O PL 2628 é um exemplo de que, quando o Congresso ouve a sociedade e especialistas, todos ganham.”
Também nesta quarta, a Câmara estabeleceu um grupo de trabalho, com dois deputados de cada partido, para, em 30 dias, apresentar uma nova proposta sobre o tema a partir de mais de 60 projetos que tratam desse assunto e que tramitam na Casa –boa parte deles foi protocolada após a viralização de Felca.
Segundo Motta, essa iniciativa é complementar à aprovação do PL 2628 e deve tratar de outros pontos relacionados à proteção de crianças.
O texto aprovado prevê remoção de conteúdo caso haja decisão judicial ou após as plataformas serem comunicadas a respeito de violação dos direitos de crianças e adolescentes em casos de exploração ou abuso sexual, violência, intimidação ou assédio, automutilação, suicídio, promoção de jogos de azar, tabaco ou bebidas alcoólicas, pornografia, entre outros.
Outra mudança no texto, acatada na votação desta quarta, foi a atribuição de competências à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) no bloqueio de conteúdos.
Na argumentação de bolsonaristas, o combate a sexualização infantil estava sendo usado como pretexto para controlar big techs e permitir a retirada de conteúdo online mesmo sem decisão judicial.
O relator do PL 2628, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), afirma que o projeto não trata de censura ou regulação política de conteúdos. Ele admite que a polarização política pode ter contaminado a discussão, mas diz que “essa pauta deveria unir a todos”.
“O problema está justamente em como as redes funcionam hoje. A lógica de engajamento a qualquer custo expõe crianças e adolescentes a riscos sérios. Discutir soluções sem rever esse modelo seria inócuo”, afirma.
O Palácio do Planalto, por sua vez, aproveitou a brecha aberta pelo caso Felca para anunciar que enviará à Câmara seu próprio projeto para regular big techs. O texto, como revelou a Folha de S.Paulo, usa critérios semelhantes aos adotados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em decisão de junho que alterou o Marco Civil da Internet.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o partido se incomodou com a mudança de posição de Motta, que a princípio anunciou que todos os projetos de proteção de crianças e adolescentes seriam reunidos no grupo de trabalho.
Ainda na semana passada, ele mudou de ideia e decidiu destacar e priorizar o PL 2628, em paralelo ao grupo de trabalho, atendendo a um apelo de entidades da sociedade civil.