(FOLHAPRESS) – Na cena final de “Falstaff”, ópera composta pelos italianos Giuseppe Verdi e Arrigo Boito, o elenco se dirige até a boca de cena para bradar versos que resumem a sabedoria de uma vida. “Tudo no mundo é uma brincadeira/ Mas quem ri por último ri melhor”, entoam as dez vozes. Em sua última ópera, Verdi se dedicou ao humor como o derradeiro ato de sua existência e encontrou finalmente, no riso, profecia e redenção.

Sua comédia lírica está agora em cartaz no Theatro São Pedro, em São Paulo, com regência do maestro americano Ira Levin e direção cênica de Caetano Vilela. O binômio “comédia lírica” é a primeira complexidade. “Falstaff” estreou no Teatro Alla Scala, em Milão, em 1893, isto é, no declínio do gênero ópera-bufa. A expressão que está na partitura é mais adequada à obra refinada da dupla Verdi e Boito, em que o humor sempre é sinal de inteligência, e não de escracho. A combinação de leveza com astúcia, no texto e na música, torna o título bem sedutor. Levin compreendeu a singularidade dessa partitura.

O trabalho do maestro com a Orquestra do Theatro São Pedro realçou a beleza da escrita verdiana, sem perder a integração com os solistas. Assim como “Macbeth” e “Otello”, Verdi, mais uma vez, se inspirou em Shakespeare para criar a composição.

O personagem John Falstaff, encontrado na peça “As Alegres Comadres de Windsor”, é um cavaleiro barrigudo, agora vivido pelo barítono Rodrigo Esteves, que tenta seduzir duas mulheres casadas, Alice Ford, papel da soprano Gabriella Pace, e Meg Page, que é vivida pela mezzo-soprano Juliana Taino. Para tanto, Falstaff tem o auxílio de uma dupla de aspones, Bardolfo, personagem do tenor Geilson Santos, e Pistola, vivido por Fellipe Oliveira, baixo-barítono. Ambos atuam como a extensão farsesca de Falstaff.

O plano do cavaleiro, no entanto, dá errado, e ele passa a ser perseguido pelas duas mulheres, unidas a Nanetta, personagem da soprano Maria Carla Pino, e Quickly, encarnada pela mezzo Ana Lucia Benedetti. Sem contar a armadilha criada por Ford, marido de Alice, interpretado pelo barítono Igor Vieira. Em paralelo, acompanhamos as desventuras amorosas de Nanetta, que está apaixonada por Fenton, papel de Santiago Martinez, mas está prometida a Dr. Caius, encarnado por Vitorio Scarpi, outro tenor.

Em meio a tantas vozes, Esteves, no papel principal, apresenta sólido trabalho, com boas execuções dos agudos galhofeiros do personagem e um desprendimento em cena necessário à comédia. A mesma atitude é percebida na interpretação de Pace, que desenvolve o seu papel com brio. Já Pino mostra dominar elementos da técnica vocal nos exibicionismos de Nanetta.

Fiel ao libreto, a encenação imagina essa taberna de Falstaff na Barra Funda, bairro onde fica o teatro, como se a ação no palco espelhasse o que se vê do lado de fora. No cenário, uma placa indica que o espectador está em “Bayreuth-Funda”, trocadilho com Bayreuth, cidade alemã, conhecida por abrigar o teatro e o festival de Richard Wagner, opositor de Verdi. O efeito do gracejo, porém, dura muito pouco.

O bairro paulistano até combina com a taberna de um cavaleiro balofo, mas é também verdade que a Barra Funda consegue ser mais feia do que a média da capital paulista. Suas ruínas fazem lembrar as cidades de Mariupol, na Ucrânia, e Aleppo, na Síria. Em dado momento da ópera, o cenário resume-se à réplica de uma parede toda pichada, como tantas nessas imediações do teatro.

Não parece ser uma estratégia feliz para estimular a imaginação ou aguçar o interesse pela encenação. Do mesmo modo, alguns momentos são marcados por uma iluminação excessiva, que se choca com a ação dos cantores no palco.

As imagens de Pelé beijando os rostos de Verdi e Shakespeare, estabelecendo uma intertextualidade com a arte de rua, tampouco agregam sentidos para a obra. Em última instância, a recusa do belo, o que é uma proposta estética comum nos nossos dias, não produz nenhuma relação criativa com a obra em questão, sendo tão somente redundante.

FALSTAFF

Avaliação Bom

Quando Até dom (24)

Onde Theatro São Pedro – r. Barra Funda, 171

Preço De R$ 41 a R$ 124

Classificação 12 anos

Autoria Giuseppe Verdi e Arrigo Boito

Direção Caetano Vilela e Ira Levin