BARRETOS, SP (FOLHAPRESS) – Quando o locutor anunciar na noite desta quinta-feira (21) a abertura do rodeio, a Festa do Peão de Barretos completará 70 anos de uma história iniciada de forma improvisada sob a lona de um circo e que hoje é cenário de peregrinação de amantes de música sertaneja e provas na arena envolvendo touros e cavalos. Mas, mais do que isso, é responsável pela disseminação de uma cultura sertaneja que se espalhou por eventos do gênero em todo o país.

Surgida como uma disputa de peões em montarias em cavalos —os touros só entraram em cena em 1979—, ela tem uma fórmula que hoje parece lógica, mas foi responsável por consagrá-la e por sua multiplicação, ao equilibrar as competições nas arenas com uma grade de mais de 130 shows, quase sua totalidade de sertanejos —raízes e neófitos.

No longínquo 1956, um grupo de amigos, que no ano anterior fundou um clube, Os Independentes —hoje associação—, organizou um evento para angariar recursos para filantropia.

Como a cidade era passagem obrigatória de comitivas que levavam o gado entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, além de ter um frigorífico desde 1913, recebia muitos peões boiadeiros. Nos períodos de descanso das comitivas de peões, eles dormiam e se alimentavam em Barretos e, em noites regadas a música e brincadeiras, surgiram montarias, ainda improvisadas, nos bois. Foi assim que a prática ganhou seguidores e fama na cidade.

“Não vou considerar nem como amador [o início], eles começaram como uma brincadeira. Eram rapazes, a maioria filhos de pecuaristas que pensaram ‘pô, vamos fazer filantropia, ajudar quem precisa’ numa mesa de bar. Nessa brincadeira, você traz o peão, o seu pai, o do outro, cada um trazia o que tinha em casa e o campeão fazia uma montaria, uma brincadeira num campo aberto, embaixo de um circo”, disse Hussein Gemha Júnior, que presidiu Os Independentes em cinco festas.

A festa foi realizada até 1984 no recinto Paulo de Lima Corrêa, de apenas dois alqueires e localizado na área urbana de Barretos. No ano seguinte, se mudou ainda de forma improvisada para o Parque do Peão, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012) e que fez fama pelo país ao ter sua arena em formato de ferradura. Hoje, a área é de 80 alqueires.

O público, que não passava de 12 mil pessoas por dia no antigo recinto, passou a ser contado na casa das centenas de milhares de pessoas com o decorrer dos anos. As arquibancadas comportam 35 mil pessoas sentadas, que em dias de shows se somam às 20 mil dentro da arena –e que, com as que estão nos camarotes, nos outros espaços do parque, nos ranchos e no camping formam uma população diária superior ao número de habitantes de Barretos (122 mil habitantes). Até o dia 31, quando o evento terminará, a previsão é receber ao menos 900 mil visitas.

Há cerca de 2.000 eventos do gênero no país que levam o nome “festa do peão” e suas derivações (como “rodeio show”), todas originárias de Barretos e que, via de regra, mantêm a fórmula de montarias —em sua maioria touros—, seguidas de shows de artistas sertanejos.

“Rodeio e show é o casamento que deu certo, que nunca vai acabar, todo lado tem”, afirmou Jerônimo Luiz Muzetti, presidente de Os Independentes pela 12ª festa, recordista na história da associação.

Os números de vendas de convites mostram a peregrinação anual rumo a Barretos. Até a última semana, os ingressos antecipados tinham sido vendidos para moradores de cerca de 50% dos municípios brasileiros, de todos os estados e Distrito Federal.

“No Rio de Janeiro, estamos com 92% dos municípios presentes, com ingressos vendidos em 85 dos 92 municípios. Goiás tem 64% e Minas Gerais, que tem 853 municípios, muitos deles pequenos, com 2.000 ou 3.000 habitantes, vendemos para 66% deles, 567 no total. Mato Grosso do Sul temos 76% e mesmo estados mais distantes, como Rondônia, vendemos para 35% das cidades. São números bons, que mostram a força de Barretos”, disse Muzetti.

Em São Paulo, só 17 das 645 cidades, todas pequenas, não tinham comprado ingressos até a última semana. A estimativa é que cerca de 400 dos 645 municípios paulistas realizem eventos do tipo e o que ocorre em Barretos, sustentáculo da modalidade no país, gera impactos nos demais eventos.

Foi em Barretos que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou decreto que definiu competir ao Ministério da Agricultura avaliar os protocolos de bem-estar animal elaborados por entidades promotoras desse tipo de evento, o que na prática flexibilizava a modalidade e reduzia o poder de ações de entidades de proteção animal. Decisões judiciais às vésperas das festas no país, como era comum até a década passada, rarearam.

Para ONGs, rodeios não deveriam existir por deixarem animais expostos a som muito alto, pela longa espera nos bretes até a montaria, pelos currais considerados inadequados e pelo uso do sedém —cinta de lã que passa pela virilha dos animais, usada nos rodeios. Os eventos negam maus-tratos.

“O sedém simplesmente avisa o animal na hora que ele tem de pular, é só um estímulo”, disse o tropeiro Marcondes Maia, de Uchôa (SP), que levará parte de sua boiada de 30 animais para Barretos.

A Festa do Peão terá mais de 130 shows, distribuídos por cinco palcos, as finais de dois circuitos de montarias em touros —PBR Brazil e LNR (Liga Nacional de Rodeio)— e o 32º Barretos International Rodeo, com peões brasileiros e estrangeiros. A premiação total das nove modalidades em disputa é de R$ 1,5 milhão.

Dos 20 amigos que fundaram o então clube em 1955 e que buscavam filantropia, somente José Brandão Tupynambá, o Tupy, 97, está vivo. Em abril, ele passou a dar nome a um espaço de eventos do Parque do Peão e, no mês passado, recebeu título de cidadão honorário de Barretos.