SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Grande parte das famílias brasileiras estava almoçando às 13h, no Dia dos Pais, quando funcionários do ONS (Operador Nacional do Sistema) tentavam evitar um colapso na rede elétrica. Naquele momento, quase 40% da geração de energia do país vinha de painéis solares, a maior parte instalados em telhados de residências e estabelecimentos pelo país, sem qualquer controle dos técnicos do operador.
Para evitar que mais energia fosse gerada do que consumida, provocando um estresse nas linhas de transmissão e distribuição, os servidores do ONS precisaram desligar algumas hidrelétricas, maior fonte de eletricidade do Brasil.
Mas não foi suficiente: eles precisaram também impedir a injeção de 17,5 GW (gigawatts) de energia eólica e solar na rede, o que equivale a praticamente todo o potencial de geração dessas fontes naquele horário. A energia solar cortada foi aquela gerada em usinas controladas pelo ONS, ao contrário dos painéis solares.
Esse estresse durou 30 minutos. Mas já havia acontecido antes, mais precisamente em 4 de maio. De acordo com o ONS, naquele dia, também um domingo, a oferta de energia gerada por fontes renováveis superou em muito a demanda por meia hora, o que obrigou os técnicos do órgão a agir para evitar um colapso.
Ainda que em intensidades atípicas, esses dois eventos exemplificam bem os atuais gargalos do sistema elétrico brasileiro.
Hoje, o Brasil tem mais de 40 GW de capacidade instalada de painéis solares instalados em telhados ou minifazendas, realidade impulsionada por subsídios e descontos tarifários para esses consumidores. Como a maioria dessas placas está em residências, sem interlocução com o ONS, técnicos do órgão não conseguem controlar quais delas gerarão energia e quais não, o que os obriga a regular usinas maiores, inclusive hidrelétricas.
A preocupação é ainda maior, porque sem relatórios frequentes sobre a geração desses painéis, o ONS não consegue se planejar adequadamente para as operações dos dias seguintes. Assim, movimentações atípicas -tanto na geração quanto no consumo- podem causar cenários semelhantes ao que ocorreu no Dia dos Pais.
Por isso, técnicos do setor elétrico, inclusive do ONS, vêm defendendo há meses dispositivos que permitem maior flexibilidade ao sistema elétrico.
“Precisamos cada vez mais de flexibilidade no sistema, com fontes de energia controláveis, que nos atendam de forma rápida para termos o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia, especialmente nos horários em que temos as chamadas rampas de carga ou em momentos de carga reduzida, como ocorreu no último dia 10. Isso é fundamental para garantir a segurança e a estabilidade do sistema elétrico brasileiro”, diz Marcio Rea, diretor-geral do ONS.
A flexibilidade apontada é importante tanto em casos de falta de energia quanto de excesso. O primeiro caso, por exemplo, acontece principalmente no início das noites, quando a geração de energia solar vai a zero e a demanda por eletricidade aumenta no país. Nesses momentos, o ONS precisa acionar mais hidrelétricas e termelétricas para atender a demanda.
Já a sobreoferta atípica acontece quando a demanda de energia se reduz drasticamente -às vezes provocada pela queda de produtividade de indústrias- ou quando condições meteorológicas permitem as fontes renováveis produzirem mais do que o estimado.
Esses cortes de energia, aliás, geram prejuízos às empresas de energia solar e eólica, que não conseguem vender a energia gerada nem recebem ressarcimento do ONS.
As geradoras pedem, inclusive na Justiça, que seus prejuízos com os cortes de energia sejam incluídos nos encargos do sistema, pagos pela maior parte dos consumidores de eletricidade do país. Hoje, esses prejuízos são arcados apenas pelas empresas, o que segundo elas afasta investimentos no país.
A União e alguns especialistas, por outro lado, defendem que os cortes fazem parte do risco de negócio dos geradores, que optaram por se instalar na região mesmo conhecendo as limitações do sistema.