SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jorge Luis Sampaio Santos tinha 14 anos quando um confronto entre palmeirenses e são-paulinos tomou o gramado do estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, em 20 de agosto de 1995. Adolescente naquela época, ele talvez nem imaginasse que um dia teria a oportunidade de ser presidente da Mancha Alviverde, a principal torcida organizada do Palmeiras.

A chegada ao topo da uniformizada teve um sabor amargo. Assim como ocorreu há 30 anos, a morte de um torcedor fez com a polícia e a Justiça apertassem o cerco. Santos está preso, apontado como o arquiteto da emboscada que matou o cruzeirense José Victor Miranda, 30, integrante da Máfia Azul, em outubro passado na rodovia Fernão Dias, na altura de Mairiporã (SP).

A prisão dele e de outros membros da Mancha, aliada a diversos episódios de brigas recentes, revela que as torcidas seguem na mira da polícia, da Justiça e também do PCC (Primeiro Comando da Capital), responsável por dar uma chamada nas lideranças para que as brigas não ocorram. Essa situação confirmada por um promotor de Justiça e por diversos integrantes das mais variadas torcidas, como Gaviões da Fiel (Corinthians), Independente (São Paulo) e Mancha.

O salve, como são conhecidos os informes da facção, teria ocorrido após uma briga entre palmeirenses e corintianos na avenida do Estado em fevereiro de 2023.

Diferente da batalha no Pacaembu, transmitida ao vivo pelas emissoras que cobriam a final da Supercopa de Futebol Júnior entre Palmeiras e São Paulo, a briga na estrada foi registrada por celulares. Em ambos os casos as imagens ajudaram os investigadores a chegar aos envolvidos.

A defesa de Santos, feita pelo advogado Jacob Filho, nega que ele estivesse no local e que tenha participado da confusão. Em dezembro, chegou a pedir que Santos fosse transferido para a Penitenciária de Tremembé, conhecida por abrigar presos famosos, o que não foi aceito pela Justiça. A justificava foi a de que, sendo presidente de uma torcida, ele poderia vir a ser agredido por detentos de agremiações rivais.

A briga no Pacaembu deixou mais de 100 feridos e cicatrizes até hoje abertas, principalmente na família do são-paulino Marcio Gasparin dos Santos, que tinha 16 anos. A reportagem tentou conversar com a mãe dele, mas uma pessoa próxima respondeu que ela não gostaria de falar mais sobre o assunto.

Gasparin, assim como outros são-paulinos que não suportaram assistir à comemoração de palmeirenses do título conquistado com um gol na prorrogação, também invadiram o gramado. O jovem foi atingido por uma paulada de Benedito Adalberto dos Santos. Permaneceu oito dias em coma no Hospital das Clínicas, até morrer. Benedito foi preso e condenado a 12 anos pelo crime.

Àquela altura, as duas torcidas passavam por um momento turbulento, com brigas protagonizadas por Edmundo e André Luiz em 1994. Quatro meses antes da morte de Gasparin, um outro são-paulino da mesma idade foi assassinado por palmeirenses. Anderson Lins de Madeiros aguardava um ônibus na avenida Guarapiranga, zona sul, para ver Palmeiras e São Paulo no Pacaembu.

Um ônibus fretado por palmeirenses passou pelo local, e seus passageiros passaram a provocar os torcedores rivais. O adolescente, que fazia parte da Independente, foi baleado na cabeça. Ele chegou a ser levado para um hospital, onde morreu. Um adolescente foi detido dias depois e confessou ter atirado.

Outra briga entre são-paulinos e palmeirenses já havia sido a responsável pela morte de Sergio Vivaldini, 17, da Mancha. Ele foi esfaqueado em setembro de 1992 nos baixos do viaduto Antártica, na Barra Funda, zona oeste. Um torcedor da Independente foi condenado a quatro anos de prisão.

O trágico 20 de agosto fez com que o promotor Fernando Capez pedisse o fechamento da Mancha e da Independente. Afastadas por um tempo, ambas voltaram com novos nomes. Mancha incluiu o Alviverde. A são-paulina passou a se chamar Tricolor Independente.

“Vínhamos com o histórico de 22 mortes em dois anos provocadas por brigas de torcidas A ação de extinção e a proibição de entrada nos estádios gerou um momento de frenagem com relação às torcidas organizadas. Elas passaram a perceber que haveria consequências patrimoniais para a entidade se os dirigentes não interrompessem as brigas ou planejassem”, afirma Capez, atualmente procurador aposentado e advogado.

Outra contribuição para a redução nas mortes, segundo ele, foi um período de oito anos em que as torcidas ficaram sem poder entrar nos estádios com seus pertences. “Depois, foi cadastrar as torcidas, organizar os estádios e implantar a torcida única para melhorar o nível de segurança dos torcedores.”

A torcida única foi colocada em prática em 2016, quando a Secretaria da Segurança Pública era chefiada por Alexandre de Moraes, hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Sem a presença de torcedores nos estádios na pandemia, os grupos arrumaram um jeito de brigar. Em dias de clássicos, caminhavam no entorno das partidas ou em bairros já conhecidos pela presença dos rivais.

“É um problema ligado à violência. A violência não deixa de existir. O jovem está ficando mais violento do que naquela época”, acrescentou Capez.

Responsável pelo patrulhamento no estádios, o major Arcanjo, do 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar, explica que os olhos atualmente estão voltados para rivalidades nacionais, o que ele classifica como “bola de neve”. O delegado Cesar Saad, titular da delegacia que investiga delitos de intolerância esportiva, confirma que as ocorrências continuam e alerta para novos gatilhos.

“Os casos de intolerância racial em jogos da Copa Libertadores e Sul-Americana vêm se tornando, infelizmente, cada vez mais comuns. Paralelamente, a integridade do esporte é minada pela manipulação de resultados. Alimentada, em grande parte, pelo crescimento das apostas esportivas ilegais”, analisa.

André Guerra, presidente da Mancham diz que “torcidas e o poder público tinham que dar as mãos”. “Não acho que as torcidas são perseguidas, injustiçadas. Por outro lado, o que o estado melhorou? O que o estado fez para evitar a violência? Não só no futebol. Infelizmente, a gente vive num estado violento.”