BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O TCU (Tribunal de Contas da União) está concluindo a análise sobre propostas do governo de executar despesas fora do Orçamento. Um dos casos já gerou um alerta aos integrantes do Executivo por parte do ministro Jorge Oliveira, que viu violações a dispositivos legais e constitucionais ligados às finanças públicas.
Oliveira é responsável pela análise do Auxílio Gás, que destina recursos federais ao subsídio do botijão de cozinha para famílias de baixa renda. O programa existe desde o governo de Jair Bolsonaro (PL), mas a gestão Lula (PT) propôs a criação de uma nova modalidade e o caso deve ser analisado pelo TCU nesta semana.
A proposta do novo formato foi feita em agosto de 2024 prevendo desconto a ser dado diretamente pelo varejista para que a família efetuasse a compra de botijão. Os recursos viriam da exploração de petróleo e gás do pré-sal, passariam pelo Fundo Social e seriam repassados à Caixa Econômica Federal.
Por fazer os valores deixarem de transitar no Orçamento, a manobra foi alvo de representação do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao TCU. Para ele, foi uma forma de driblar o limite de gastos do arcabouço fiscal e outras regras fiscais.
“Essa inusitada e criativa triangulação pretendida pelo governo federal, em que receitas e despesas da União são transferidas para a Caixa Econômica Federal, visa a contornar as regras orçamentárias e fiscais em vigor”, afirmou.
Um parecer das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado de outubro de 2024 respaldou essa análise, dizendo que “a nova modalidade de custeio do Auxílio Gás afronta normas financeiras e boas práticas orçamentárias”.
Os técnicos do Congresso afirmaram ainda que a modalidade amplia a despesa que deveria ficar sujeita aos limites do arcabouço fiscal “por via transversa, provavelmente com o intuito de afastar sua incidência, bem como autoriza aumento de despesa mediante expansão de política pública sem observância dos requisitos [legais]”.
Os técnicos do TCU procuraram os ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento e Assistência Social e concluíram que o desenho do programa desconsidera diversos princípios orçamentários e normas de finanças públicas.
Em sua análise, o ministro Oliveira concordou com a equipe técnica dizendo que o programa permitiria uma execução fora do Orçamento tanto do lado das receitas (que seriam repassadas diretamente à Caixa) como do lado das despesas (que seriam executadas também diretamente pela Caixa).
“Assim, restaria afastado o processo orçamentário regular, inclusive os estágios de execução da despesa pública e vários princípios orçamentários”, afirma Oliveira. Ele cita, entre outros, o princípio da universalidade, que afirma que o Orçamento deve conter todas as receitas e despesas públicas.
Oliveira também vê infração à Lei de Responsabilidade Fiscal. “O programa deveria ser previsto no Orçamento da União. Ademais, a proposição da nova modalidade deveria ter sido acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, o que não ocorreu”, disse.
Durante as oitivas, as secretarias do Tesouro (vinculada à Fazenda) e de Orçamento (pasta do Planejamento) afirmaram que não foram ouvidas na época da elaboração da proposta. “A referida proposição não foi objeto de análise técnica no âmbito da Secretaria de Orçamento Federal [a SOF], o que impossibilita o envio de pareceres, notas técnicas e demais documentos que subsidiaram a elaboração do PL 3.335/2024, tendo em vista que não foram produzidos”, afirmou a SOF.
O ministro diz ainda que o projeto continua em tramitação na Câmara dos Deputados, o que cria chance de correção dos problemas identificados. O caso tem previsão de ser analisado nesta quarta-feira (20) no Plenário do TCU.
“Gostaria de reforçar mais uma vez minha preocupação com o surgimento de mecanismos de execução de políticas públicas externos ao Orçamento público”, afirma Oliveira em seu voto. “Tais mecanismos esvaziam os papéis de planejamento, gestão e controle dessa peça fundamental para o adequado funcionamento do regime democrático, além de comprometer a transparência e obscurecer a real situação das finanças públicas”.
O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) prepara o lançamento do novo formato do programa, rebatizado de “Gás para Todos”, e afirmou que o governo, após o movimento no ano passado, tem intenção de colocar o programa totalmente dentro do Orçamento. A proposta ainda não foi apresentada oficialmente.
Esse não é o único caso relacionado ao setor de óleo e gás analisado pelo TCU. O ministro Bruno Dantas concedeu no mês passado mais prazo para que o governo se manifeste acerca de uma auditoria sobre um projeto de lei de 2024, já aprovado, que alterou regras relacionadas a royalties e conteúdo local.
De acordo com o governo, a alteração nas regras era necessária para incentivar as petroleiras a realizarem investimentos em conteúdo local, em vez de pagar multas pelo descumprimento de exigência contratual. A auditoria tem como objetivo avaliar “os impactos decorrentes da utilização desses mecanismos e sua conformidade com a legislação fiscal, orçamentária e financeira e com a Constituição”.