SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo de São Paulo anunciou nesta terça-feira (19) mudanças nas normas de ressarcimento de créditos do ICMS, em meio à pressão para reforçar os mecanismos de fiscalização após o desgaste com a Operação Ícaro, que levou à prisão de Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, e do diretor estatutário do grupo Fast Shop Mario Otávio Gomes. Eles foram soltos sob fiança de R$ 25 milhões e medidas cautelares como uso de tornozeleira eletrônica e seguem sob investigação.
O Ministério Público de São Paulo investiga suposto esquema bilionário de propinas e créditos irregulares de ICMS, com envolvimento de grandes varejistas e auditores fiscais da Sefaz-SP. Somente na primeira fase da operação, o Ministério Público acredita que tenham sido movimentados R$ 1 bilhão em propina.
A Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda e Planejamento) decidiu revogar alterações feitas em 2022 na Portaria CAT nº 42/2018, que é a norma que disciplina os procedimentos de complemento e ressarcimento do ICMS retido por Substituição Tributária (ICMS-ST).
Além disso, foi revogado o Decreto nº 67.853/2023, que previa o procedimento de “apropriação acelerada”. A partir de agora, todo processo seguirá, obrigatoriamente, por rito de auditoria fiscal até que seja concluída uma revisão completa dos protocolos.
Segundo o governo estadual, esse mecanismo será reavaliado dentro de uma nova regulamentação, atualmente em estudo por grupo de trabalho específico.
A Sefaz-SP afirma que esse grupo de trabalho fará ampla revisão de regras e reestruturação do processo de ressarcimento, incluindo o uso de soluções tecnológicas e cruzamento automatizado de informações.
Entre os aprimoramentos previstos no Sistema e-Ressarcimento, segundo o órgão, estão:
– Processamento automatizado para checagem das informações e cruzamento com outras bases de dados
– Rastreabilidade ampliada, assegurando acompanhamento transparente de todas as etapas do processo
– Conta corrente digital do e-Ressarcimento, para dar mais controle e visibilidade sobre os créditos
– Integrações futuras com novas plataformas de controle, fortalecendo a governança e a capacidade de monitoramento
Em nota, o secretário Samuel Kinoshita diz que essas ações têm como objetivo apurar eventuais irregularidades já identificadas pela Operação Ícaro e também evitar práticas indevidas ainda não detectadas.
O ICMS-ST é um dos pilares de arrecadação do Estado, especialmente em setores como combustíveis, bebidas e medicamentos, e concentra grande parte das disputas entre empresas e Fisco.
O mecanismo permite ao governo recolher o imposto antecipadamente na indústria ou no importador, mas abre espaço para pedidos de ressarcimento quando o valor pago supera o efetivamente devido. É nessa brecha que, segundo os investigadores da Ícaro, empresas e escritórios de consultoria tributária estruturaram esquemas fraudulentos para inflar créditos e reduzir artificialmente tributos.
Especialistas em tributação ouvidos pela Folha avaliam que a revisão das regras pode aumentar a burocracia no curto prazo e os custos das empresas.
O tributarista Raul Iberê Malagó diz que, com a revogação das alterações de 2022 na Portaria CAT 42/2018, as empresas retornam às regras mais restritivas vigentes até 2021. Isso significa que os procedimentos simplificados introduzidos em 2022, que facilitavam a emissão de notas fiscais de ressarcimento e a transferência de créditos entre contribuintes, foram eliminados, afirma.
Já a revogação do decreto nº 67.853/2023, para Malagó, vai afetar os contribuintes classificados nas categorias “A+” e “A” do programa “Nos Conformes”.
Marcelo Magalhães Peixoto, presidente da Apet (Associação Paulista de Estudos Tributários), afirma que, na prática, essas mudanças da Sefaz devem deixar o ressarcimento de ICMS-ST mais demorado. “Hoje o contribuinte calcula e pede a diferença. Com a revogação da portaria e do decreto, tudo indica que esse cálculo passará a ser feito pela própria Fazenda. O problema é saber se ela tem sistema para isso, porque o prazo, que já era longo, pode aumentar ainda mais e gerar judicialização”, diz Peixoto.
Para Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio do RCA Advogados, a revogação dois dois instrumentos revela uma contradição. “Se, por um lado, elimina um regime de apropriação ainda incerto e contestado, por outro lado, mantém o contribuinte preso a um modelo tradicional, moroso e oneroso”, diz.
“Do ponto de vista econômico, a decisão representa um custo adicional para o setor privado em um cenário já marcado por elevada carga tributária e insegurança normativa”, afirma Roesler.
Segundo ele, o ICMS-ST se tornou um instrumento de antecipação de receita estatal às custas do fluxo de caixa empresarial. A demora na restituição comprometeria a liquidez das companhias e afetaria sua capacidade de investimento, afirma.
“O que se observa, em última análise, é que a revogação não corrige o desequilíbrio estrutural do sistema, apenas retorna ao que já era conhecido e operacionalizado”, diz o sócio do RCA Advogados.
Marcelo John, tributarista de Schiefler Advocacia, afirma que, embora essas revogações não afetem o direito ao ressarcimento em si que continua previsto na legislação elas impõem maior complexidade operacional, exigência de comprovação documental e possível redução da previsibilidade nos prazos de resposta da Sefaz-SP. “É recomendável que as empresas revisem suas políticas de compliance tributário e seus fluxos internos para se adequarem ao novo quadro, minimizando riscos e atrasos”, orienta John.
Nesta segunda-feira (18), a corregedoria geral da administração paulista se reuniu com os promotores da Operação Ícaro para alinhar iniciativas em conjunto com o MP-SP visando melhorar os mecanismos de controle de evolução patrimonial dos servidores.